sábado, 27 de outubro de 2018

"O amor tem cheiro do quê?"

Esta não é uma história de amor.  Esta é uma história sobre o amor.

Todas as manhãs de domingo eram iguais para mim. No entanto, aquela manhã do dia vinte e seis de outubro foi diferente, e isso marcou a minha vida para sempre. Mark era seu nome. Ele sim soube fazer a diferença nos meus domingos. Eu o amava.

Era um domingo do inicio da primavera. Acordei bem cedo naquele dia, abri a janela e deixei que a brisa fresquinha trouxesse  com ela o cheiro das flores do nosso jardim. Me encostei na janela, fechei os olhos e tentei adivinhar de quais flores eram todos aqueles cheiros e qual era a fragrância mais agradável. Foi em vão. Era uma mistura muito suave de rosas, manacás, jasmins e gardênias. Desisti. Somente a minha mente era mais confusa do que toda aquela mistura de aromas. Era tudo tão agradável e, mesmo assim, olhando para as minhas mãos percebi que - ainda - estavam trêmulas.

Olhei para trás e pude observar como ele estava aconchegado em minha cama. A luz do amanhecer o acordou quando terminei de abrir a janela. Mark percebeu minha expressão:

 -"Que foi meu bem?" - indagou-me com um sorriso ensaiado.
 -"Você Mark, você!" - tremi.

Apertei minhas mãos para que ele não percebesse nada. Sentei na beira da cama de frente para a brisa da janela, uma lágrima insistiu em cair dos meus olhos. Sentia que aquela manhã era a última vez que ia vê-lo acordar.

 -"Mas, meu bem" - fez uma pausa para pensar no que ia falar - "estou plenamente feliz por estar ao seu lado. E espero que também esteja te fazendo feliz. Estou?"

Sempre soube que Mark nunca escondeu nada de mim. Ele era muito feliz ao meu lado e fazia questão de demonstrar isso o tempo todo. Não obstante, eu insisti:

 -"Mark, até quando você vai me amar?" - fitei-o firmemente.
 -"Para todo o sempre!"  - ele fez um gesto daqueles de filmes em que os atores ficam olhando para o horizonte. Na verdade, esta sempre foi sua resposta. Mark era do tipo sonhador-apaixonado.  Vivia repetindo que o nosso amor era tão forte e tão especial que ia durar para todo o sempre.

-"Não se ama ninguém para sempre. O amor um dia acaba Mark"  - vomitei as palavras de um jeito amargo e cruel em cima dele.
-"Mas já te disse, baby, nosso amor é diferente meu bem" - ele insistia em acreditar nesta ilusão.

Com um movimento rápido me puxou pra cima dele e me deu um abraço bem apertado. Realmente com ele tudo era diferente, tinha que admitir isso. Ele era um bobão apaixonado por qualquer coisa que expressasse amor, e parece que sentia a vida de uma outra forma. Parecia delirar e acreditar num mundo lirico e inocente, qual sabia eu que não existia fora da sua cabeça. E mesmo com pouca idade - tinhas lá seus vinte e poucos anos -, e sem saber muita coisa sobre este mundo cruel e insensível que vivemos, tinha uma visão maravilhosa sobre o mesmo. Isso fez-me apaixonar-se por ele.

 -"Meu bem, mesmo que um dia um dia nossos destinos nos separe, eu sempre guardarei você em um cantinho muito especial do meu coração. Mas saiba que eu nunca deixarei isso acontecer" - abracei-o em forma de conchinha.

 -"Mark, se não percebeu ainda, eu estou falando de mim. Você sabe que eu vou envelhecer muitos anos antes de você. E quando você tiver a minha idade, eu já estarei bem velho e acabado"  - usei o máximo da minha dramaticidade fajuta para tocá-lo.

Naquele momento, Mark ficou alguns segundos em silêncio, tirou meus braços que estavam em volta de seu corpo e sentou-se na cama encostando suas costas na cabeceira. Tive muito medo do que poderia ouvir. Me calei. Mark então virou-se para mim com os olhos cheios de lágrimas, passou a mão sobre meu rosto e tentou dizer algumas palavras, mas o choro não as deixou bem claro:

-"Meu bem" - ele sempre me chamava assim, de meu bem - "sei que somos de estilos de vidas e épocas diferentes, mas nossos ideais são parecidos. O amor é igual para todos e em todas idades. Meu amor por você é completo. É amor limpo. Ele não distingue nossas idades, quem esta fazendo esta distinção é você mesmo. Para de sofrer por uma bobeira dessas. Você será meu para sempre" - aquele brilho no seu olhar não parecia ser de alguém que estivesse mentindo. Meu coração estava apertado e um nó na garganta insistia em me sufocar.

Abracei-o ainda mais forte. Bem mais apertado do que todos os outros abraços de toda a nossa vida juntos. Ficamos algum tempo daquele jeito. Apenas sentindo o cheiro inebriante das flores que invadiam o quarto. As minhas mãos ainda estavam tremendo. Não podia nem imaginar que aquela seria a última manhã de domingo juntos. Queria ter vivido muitos outros anos ao seu lado para aprender a amar a vida da forma que ele amava. Mas certamente, o destino quis que eu fosse embora antes da hora. E tive que o deixar - dois dias depois - sem poder me despedir.

Ainda o vejo todos os dias sem o mesmo notar a minha presença. E sinto em seu coração, que ele ainda pensa em nós.

2 comentários:

  1. Por quê? Por que você o deixou? Não sei se me responderá, mas não pude me conformar...

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    1. Renan, falar sobre amor é complicado, falar sobre um amor perdido é mais difícil ainda.

      Para tentar responder a sua pergunta, ainda não sei porque fui abandonado (note que eu escrevi o texto como se fosse a outra pessoa, a que abandonou). Mesmo tendo se passado tanto tempo, ainda me flagro pensando onde foi que nós erramos. E as manhãs de domingo na primavera, ainda traz lembranças de nós dois. Enfim, tudo já foi superado, da dor ao amor, tudo já foi resolvido.

      Obrigado por vir até aqui e ler meus devaneios. Segue o blog que tem mais. Gratidão.

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