sábado, 28 de abril de 2018

"E você, tem medo do quê?"

Era época de laranja madura e Mark ouvia do seu quarto, algumas já bem maduras, caírem dos pés.  Ele podia imaginar claramente sua casa rodeada de pés de laranjas e um milharal que se estendia até o horizonte. Mark sempre brincava sozinho depois da aula no milharal, no entanto, a noite ele tinha medo. 

Trancava bem a porta do quarto e a janela. Deitava na cama e cobria-se até a cabeça, não se importando com o calor do verão. Mark tinha medo, pois sabia que a noite seus pesadelos viriam e o assustaria. Seus pais já estavam acostumados com seus surtos de sonambulismo, já cansados de tantos médicos e especialistas só o que lhes restavam era trancar e esconder as chaves das portas.  

Naquela noite foi diferente. Mark acordou com o barulho de várias laranjas caindo no chão. Um frio paralisante tomou conta da sua espinha. Rapidamente cobriu a cabeça. Uma voz lá de fora o chamou. Ele trancou a respiração para ter certeza que não estava sonhando. Mais laranjas caíram do pé. Alguma coisa estava lhe chamando, e ele sabia que tinha que ir ver o que era. 

Suspirou, juntou forças e saiu da cama. Foi até a sala e olhou pelo buraco da fechadura. Uma linda lua cheia fazia com que os pés de laranjas fossem iluminados, tornando o milharal uma enorme mancha escura. Ninguém estava lá fora, ninguém estava chamando por ele, mas ele tinha que ter certeza. Seu corpo estremeceu no momento que abriu a porta. Nada. Somente a lua iluminando. 

Deu uma volta ao redor da casa, observou as laranjas maduras caindo todo o tempo. Nada. De repente, atrás da sua casa, ao lado de uma velha horta, uma brecha no milharal lhe chamou atenção. Teve calafrios e ficou paralisado olhando para aquele imenso e assustador milharal que brincava durante a luz do dia sem temor algum. Teve medo. Teve muito medo, mas algo o chamava. Fechou os olhos e desejou estar sonhando, não estava. O panico tomou conta de seu corpo, já não tinha mais forças para gritar. Queria chamar seu pai e sua mãe mas não conseguia. Olhou novamente para a entrada no milharal e correu o máximo que pode em sua direção, desaparecendo milharal a dentro. 

Sentia as folhas afiadas ferirem o seu rosto. Correu como se estivesse atrás de alguém ou como se alguém estivesse atrás dele. Parou. Sentindo-se perdido no meio do milharal não conseguia se mover, nem gritar. Só sentia o medo que paralisava todo seu corpo. Escutou um grito que o fez chorar de medo. Era sua mãe procurando por ele. 

Estes acontecimentos se repetiram por toda sua infância e Mark nunca soube explicar o porquê. Ele sempre corria na mesma direção no milharal. O curioso era saber que nesta direção, ao fim da plantação, havia uma casa abandonada que Mark jamais ousava se aventurar nas suas proximidades, nem mesmo durante o dia. Ele tinha péssimas lembranças daquela casa. Lá dentro, em noites de inverno, já havia amarrado e amordaçado sua mãe - que tentara cometer suicídio - para protege-la de seu pai - alcoólatra - que queria matá-la todas as noites.

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