quinta-feira, 27 de setembro de 2018

"O despreenchimento"

Das tentativas de se preencher - capítulo I

-"Você não é muito certo da cabeça meu filho." 

Quando criança, sempre ouvia isso da boca da minha mãe. Não era e nem nunca será uma ofensa, na verdade "não ser muito certo-da-cabeça" fazia com que eu me sentisse diferente - de um jeito bom - perto dos meus outros sete irmãos mais velhos. Bons tempos, idos tempos e então eu cresci. E as coisas não ficaram tão boas assim. Me descobri ansioso e insatisfeito com tudo. Era uma busca incessante pelo novo, o qual se tornava velho e desinteressante assim que eu o encontrava. Uma luta diária contra minha sina de viver repetindo coisas desinteressantes dias após dias. Com o passar dos anos, a frase da minha mãe ficou mais séria e desesperada:

-" Meu filho, o que você tem nesta cabeça confusa? Por que você começa mil coisas e não termina nenhuma sequer? Você é tão inteligente."

-"É  o vazio mãe. Aquele nó - ou dor - no peito, sabe?"

Não sei quando veio - o tal vazio - mas acredito que ele me acompanha desde que me dei conta do mundo. Então tive sérios problemas de socialização com outras crianças por pensar-diferente - gosto de usar o termo sentir-diferente - já que as brincadeiras em grupo deixavam de ser interessantes em menos de cinco minutos.

Aquelas conversas de adolescentes me enchiam o saco, e foi nesta fase que descobri que eu gostava - e me sentia muito melhor - quando conversava com adultos. Sem dúvida alguma, em toda minha adolescência - e até hoje - eu mantive um círculo de amizade saudável com pessoas mais velhas do que eu. Mesmo rodeado de tanta gente, muitas vezes ao deitar a cabeça em meu travesseiro, o vazio tomava conta do meu corpo e desintegrava tudo que eu havia construído pra mim até aquele momento.

Foi aos vinte anos que as coisas pioraram. Eu nunca vou esquecer das palavras de um professor de Filosofia que dizia: "não há nada de ruim que não possa piorar" ou "agradeça pela dor de hoje, já que amanhã pode ser pior ainda". Ele era um bom professor, mas acho que algum momento da sua vida o tornou  amargo - ou realista demais - e adotou isso como lei para qualquer ser vivo pensante. Então, beirando aos vinte dois, eu já havia desistido da minha faculdade, de uns dez cursos tecnológicos, de algumas plantas - que morreram após dias sem água - e estava apenas trabalhando. Apenas isso. Era um trabalho de merda. Assim eu vivia, aquele vazio assustador dentro de mim e uma vontade constante de sair  gritando e vomitando não sei o que pelo mundo a fora.

O barulho na cabeça - capítulo II
Numa noite quente - era início do verão - ouvi pela primeira vez o barulho na cabeça. Há nove meses eu estava passando por uma fase muito boa, e de um dia para outro tudo mudou. Perdi o controle da minha vida e num piscar de olhos meu mundo ficou cinza. Eu não fui trabalhar naquela tarde. Sentei na varanda da casa e esperei o Sol desaparecer no horizonte alaranjado. Naquele momento senti que o vazio dentro de mim já não era tão ruim assim. E que o barulho - um chiado que me causava náuseas -  na minha cabeça era suave perto da dor que viria a sentir no peito.

Sim, a dor começou bem ali aonde a gente diz que fica o coração. Mas esta é história para outro dia - ou outra vida - quem sabe.

"Já li tudo cara. Já tentei macrobiótica, psicanálise, drogas, acupuntura ,suicídio, ioga, dança, natação, cooper, astrologia, patins, marxismo, candomblé, boate-gay, ecologia. Sobrou só esse nó no peito. E agora faço o quê?"
(Caio Fernando Abreu)

Nenhum comentário:

Postar um comentário