Depois de pensar muito sobre o assunto, resolvi iniciar a série "escrevendo minha vida" - escrevendo minha vida - e que provavelmente nunca terá um fim pelo mesmo motivo que a mesma começou: eu vou morrer jovem.
Nunca entendi, mas desde minha infância eu sempre tive a sensação de que a morte viria me visitar muito cedo e hoje com 28 anos descobri que ela esta mais próxima do que eu imagino. Nunca pensei em como exatamente irei morrer, mas em certas situações do meu cotidiano sempre me imagino morrendo: ao ligar o chuveiro, por exemplo. Já pensou morrer eletrocutado ou escorregar e bater com a cabeça no piso? Quando saio na rua me imagino sendo atropelado ou alguém caindo de asa-delta em cima de mim. Até dormindo tenho medo de me enforcar com meu fone de ouvido, no entanto sou corajoso, sempre vou dormir ouvindo música por causa dos barulhos que eu ouço na minha cabeça. Mas esta é outra história, clique aqui se quiser saber.
Realmente, não sei por onde este medo começou - o tal medo da morte - mas as primeiras lembranças que tenho é dos entardecer silenciosos lá na casa dos meus pais. Nasci e me criei em um sitio, no interior do sudoeste do estado do Paraná - Chopinzinho, Paraná - e mesmo sendo muito pequeno lembro que a noite me trazia uma sensação de profunda agonia e angústia. Lembro exatamente do Sol se pondo no horizonte atrás das montanhas e levando com ele toda a minha tranquilidade e serenidade de menino. Hoje, mesmo tendo passado tanto tempo, se fechar os olhos ainda consigo sentir exatamente aquele céu alaranjado com aquelas centenas de cigarras e o cheiro do entardecer me asfixiando a cada minuto que se passava.
Não posso afirmar aqui que todos os dias eram horríveis. Claro que não. Estou falando das noites. Também não todas as noites. Só algumas noites. E sei dizer exatamente quais as noites. Meus pais sempre foram muito trabalhadores e honestos e sempre ensinaram eu e meus sete irmãos a ser assim também. Sim, tenho sete irmãos: um homem, seis mulheres e eu. Pode até soar estranho ou até engraçado este eu, mas é assim que sempre me senti. Estranho para os outros, mas para minha própria auto-estima, sempre me denominei engraçado. Engraçado e feliz durante o dia e estranho e triste durante a noite. Ah, não posso esquecer das malditas noites dos finais de semana. Eu ainda as odeio.
Nos finais de semana meu pai tinha costume de ir num boteco tomar cachaça e jogar baralho. E claro, voltava bêbado para casa e as noites eram um inferno. Beber não era o problema, mas ele chegava em casa e começava a brigar com minha mãe acusando-a de um milhão de coisas sem fundamento e os dois começavam a se ofender com palavras até baterem com as mãos ou objetos na cara do outro. Não sei precisar com que frequência e em que período exatamente isso ocorria, só sei dizer que quando chegava as noites dos finais de semana eu ia dormir na casa de uma das minhas irmãs, já casada, para evitar de ficar vendo toda aquela bagunça dos pais bêbados.
Então, os fatos aconteciam exatamente nesta ordem: meu pai trabalhava de sol-a-sol a semana toda, no final de semana enchia a cara, brigava com minha mãe que, cansada da situação e sem poder lutar contra unia-se a ele e tornou-se também compulsiva por álcool. As minhas irmãs acabaram se cansando das brigas e se casaram muito cedo e só restou meu irmão e eu com dois pais bêbados.
Quero deixar bem claro que não foi toda esta história de alcoolismo, constantes brigas dos pais e tal, que me deixava com medo. Eu não acredito em transtornos psicológicos e coisas do gênero causadas por um trauma de infância. Posso afirmar aqui que desde que me senti como ser humano já carregava esta sensação dentro de mim. Muito antes de qualquer tragédia que viria a surgir na minha família. Acredito que certas fobias não são adquiridas, mas nascemos com tendências a senti-las e basta um ambiente favorável para que uma cadeia de sensações nos tome e nos obrigue a carrega-las para sempre. Porque durante algumas noites, na época do auge do alcoolismo dos meus pais, na verdade fui até bem corajoso. Coisas como ter que cortar a corda com que minha mãe bêbada tentava se enforcar em um pé de pessegueiro ou ter forças para ajudar meu irmão a imobilizar meu pai para que ele não tomasse veneno com intuito de se matar. Até mesmo enfrentar o milharal, o qual eu morria de medo - clique aqui, e leia a história do milharal -, para esconder minha mãe em uma casa velha, na divisa de terras do meu pai. Na verdade, fui até bem frio na minha infância.
Nunca vou esquecer de uma noite de inverno que ajudei a minha irmã, a mais jovem das mulheres, a amarrar e amordaçar minha mãe para que ela ficasse quieta enquanto meu irmão distraía meu pai e tentava tomar o machado das suas mãos para que não assassinasse minha mãe. Meus pais sempre foram pessoas extremamente queridas - clique aqui para entender o porque e são os melhores pais do mundo. No entanto, quando bebiam não tinha quem os segurasse. Meu pai adquiria uma psicose tão grande que achava que todo mundo queria mata-lo e minha mãe, uma força descomunal. Mesmo assim, nos amávamos e lutávamos todos os dias para que nossa família não se desintegrasse por causa do álcool. E deu certo.
Alguns anos depois, após muitas perdas e tragédias, meus pais pediram ajuda para se livrar do alcoolismo e todos nós, filhos e filhas estávamos de prontidão para ajudá-los. Foi a salvação da vida do meu pai e da minha mãe. Se não fosse pela força de vontade dos mesmos, ou o álcool por si só os tinha matado os os dois já tinham se espancado até a morte. Enfim, teve um final feliz iguais a estes de cinema. Pena que muitos por aí não tiveram a mesma sorte que eu.
Voltando ao meu medo da morte, torno a afirmar que mesmo antes de tudo isso acontecer, eu já o sentia e sabia a cada entardecer, que iria morrer jovem. As coisas só pioraram quando entrei na adolescência. Acredito que as descobertas, não só físicas mas também as emocionais e espirituais, começaram a mudar muito a forma de como eu via - e sentia - a vida.
Vou deixar para uma próxima postagem. Se der tempo. Se eu não morrer até lá.
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