sábado, 26 de janeiro de 2019

A chuva, o filme e o suicídio

A chuva
Sexta-feira, uma chuva leve e aquele friozinho de inicio do inverno acontecendo lá fora. O telefone tocou: 

-"Alô? Oi, como você está Mark?"
-"Oi, estou bem e você Edu?"

Fez-se três segundos de silêncio, para continuarmos com aquela conversa clichê. 

-"Como sabes que sou eu? Troquei meu número esta semana."
-"Ué, seu bobo, te reconheci pela voz. E daí, vai vir hoje tomar aquele chocolate quente e ver o filme comigo?"
-"Olha, nem sei se vou. Esta chovendo muito e eu, pobre do jeito que sou, só ando a pé lembra?"
-"Dá nada. Te pego na esquina de guarda-chuva."

Edu era um cara incrível. Nada mais fantástico e divertido do que ver qualquer filme junto com ele. Edu era do tipo que todo mundo queria por perto, embora ele não fizesse esforço para agradar e visitar seus amigos. Eu era uma exceção, e me sentia especial por conseguir chamar a sua atenção. Uma hora depois, novamente o telefone tocou.

-"Mark, seu idiota, estou aqui na esquina todo ensopado. Cadê você?"
-"Já vou. Não me apresse Edu, não te disse que ia te buscar? Então, se acalma."

Desliguei o telefone na cara dele. Eu já me achava o centro da  sua atenção e também me considerava o seu melhor amigo, e isso me gerava uma certa - falsa - confiança de dizer - e gritar - o que eu bem entendesse, sem me importar se Edu iria ficar magoado. Saí de casa com dois guarda-chuvas na mão. Andei pela rua deserta e úmida. As noites chuvosas no subúrbio, me provocam inúmeras sensações desconfortantes. A sensação de solidão, de angústia e de melancolia eu podia sentir claramente tomando conta da minh'alma naquela noite. Não obstante, era mais que isso. Tinha a impressão de que eu podia sentir o cheiro de todo aquele desespero trazido pela neblina que encobria os prédios e as casas do meu bairro.

O filme
Chegamos em casa, peguei uma toalha e entreguei a Edu. Ofereci uma roupa minha para vestir. Estrategicamente, antes de sair de casa, já havia deixado sobre o sofá uma calça jeans, desgastada pelo enorme tempo de uso. Uma camiseta branca, qual comprei na beira de uma estrada e uma blusa de moleton, que minha mãe me deu para que eu não passasse frio quando fosse pra universidade. E claro, pra finalizar, por mais clichê que aquilo fosse, eu tive que colocar um pouquinho do meu perfume em cada peça daquela roupa. Acho que Edu nem percebeu todo aquele meu ritual. Nem agradeceu e nunca mais me devolveu aquela roupa. Nunca mais. Não deu tempo.

-"Vamos ver o filme no meu quarto, lá tem ar-condicionado e é bem quentinho!"
-"Melhor assim, senão pego um resfriado."

No quarto, encima daquele criado alguns retratos já esquecidos pelo tempo, mas não por mim. Também uma caixa de chocolates, que ganhei dois dias antes de uma moça que me paquerava na faculdade, e um filme - estrategicamente escolhido por mim - de ficção-cientifica.

-"Sabe Mark, não sei por que mas gosto de sua companhia."
-"Eu também gosto de você Edu."

No meio do filme, depois de quatro xícaras de chá quente e alguns chocolates, fui surpreendido pelo olhar de Edu. Era diferente. Ele nunca havia me olhado daquela forma. Não sabia como agir. Nunca soube. Não sei até hoje.

-"Que foi Edu? Eu sei que sou lindo demais pra você ficar me olhando assim. E fique sabendo que também te acho bonito!"

Edu desviou o olhar rapidamente e voltou a olhar para tela da tv. Alguma coisa o incomodava. Não fazia a menor ideia do que era. Nunca soube. Nunca vou saber.

-"Mark,você é maluco ou o quê? Pare de falar bobagens. Você sabe que não pode acontecer nada entre a gente. Você tem alguém, lembra?"

Sim, eu tinha alguém. Era esta a mentira que eu dizia para não assumir meu fracasso amoroso e minha dolorosa solidão. Um silêncio constrangedor invadiu o quarto - e a alma também - por algumas horas. Me senti envergonhado com todas minhas pretensões depravadas. Créditos finais do filme. Último chocolate na caixa.

-"Gostei do filme Mark."
-"Sim Edu, a chuva já parou, e, bem... Volte quando quiser."

Acompanhei até a porta, ainda estava constrangido. Me despedi de Edu com um aperto de mão seguido de um abraço. Era como se fosse o último abraço. Era o último. Foi o último. A madrugada continuava úmida e melancólica lá fora. Esperei ele desaparecer na esquina e fechei a porta.

-"Mais uma vez sozinho. Não. Eu tenho alguém."

Pensei alto. Entrei no quarto, fechei a porta e me encostei na mesma, assim como fazem os atores nas cenas dramáticas dos filmes e novelas. Fui escorregando aos poucos até ficar sentado no chão do meu quarto. Ri descontroladamente e chorei. Adormeci no chão frio daquela casa, mais uma vez, vazia.

O suicídio
Alguns meses depois, sem ninguém saber os motivos, meu amigo Edu cometeu suicídio com um cadarço de sapato no pescoço. Desgraçado, nunca mais voltou para me devolver minha roupa, muito menos o meu coração. Deixou muitas saudades. Ainda lembro dele nestas noites de chuva e frio. Se ao menos eu acreditasse no céu e inferno, talvez um dia ainda poderíamos nos encontrar em algum destes lugares. 

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Sobre-viver com Transtorno de Personalidade Borderline

Depois de quase dez anos de diagnósticos e trocas incessantes de medicamentos e médicos psiquiatras, meu atual médico me diagnosticou como Borderline. Fiquei assustado, porém o mesmo me acalmou e disse que a medicação que eu estava tomando há quase dois anos, tem sido eficaz, então: 

- "Mark, você não precisa encucar com isso, e, nem encher de caraminholas a sua cabecinha. Uma vez que a mesma não tem espaço pra mais coisas" - sim, meu médico o Doutor Barão do Rio Branco (nome fictício), é muito bucólico em suas palavras.

Sem devaneios, vamos ao assunto em questão: 
Também conhecido como Síndrome de Borderline ou Transtorno de Personalidade Limítrofe (ser que vive no limite entre a sanidade e insanidade), o quadro provoca reações de ansiedade, tristeza profunda, mudanças bruscas de humor, problemas de concentração, sensação de estar perdido em si mesmo e até tendências suicidas. É um dos transtornos que com frequência aparece nos consultórios de psicologia e trata-se também de um quadro marcado pela forte instabilidade emocional, no qual o indivíduo é impulsivo, compulsivo e tende a desvalorizar-se.

Esse quadro psicológico costuma aparecer logo na adolescência e, ao passar dos anos, os sintomas vão se consolidando. Por isso é importante estar atento aos sinais, uma vez que o tratamento é feito de forma multidisciplinar, com o apoio psicológico e psiquiátrico. Vamos entender um pouquinho mais dos sintomas mais comuns desta síndrome:

I) Comportamento impulsivo ou compulsivo
Os indivíduos que têm o Transtorno de Personalidade Borderline encontram no comportamento impulsivo/compulsivo uma forma de aliviar sua própria dor. Desse modo, é comum o abuso de álcool e outras substâncias, comprar descontroladamente, manter relações sexuais de risco, adotar posturas imprudentes no trânsito, e etc.

Por comportamentos assim, os problemas de relacionamento e financeiro são frequentes e, apesar do alívio inicial, o ciclo de impulsividade/compulsividade é seguido pela culpa e pela vergonha. 

II) Extrema intensidade das emoções
Quem tem essa síndrome costuma ser mais suscetível às emoções em geral. Sentem tudo com mais intensidade e por mais tempo. É importante entender que essa sensibilidade e intensidade de sentimentos é uma moeda de duas caras. O indivíduo pode ser extremamente amoroso, e de outro lado se sentir sufocado por emoções negativas. Por exemplo, o mesmo nunca se sentirá constrangido, pois o sentimento sempre será de humilhação.

III) Ambivalência
Um outro sinal do Transtorno de Personalidade Borderline é que o indivíduo se importa muito com a forma como é tratado pelos demais. No entanto, o sentimento em relação ao outro não é uma constante, variando entre o positivo e o negativo.

Uma decepção, por exemplo, é suficiente para que ele deixe de idealizar o outro e passe a desvalorizá-lo.

IV) Problemas de concentração
A intensidade das emoções experimentada por quem tem esse problema dificulta a concentração. Isso porque o indivíduo perde facilmente o controle e o foco, especialmente diante de episódios que provocam sofrimento. Fica perdido em seus próprios pensamentos, como se fosse uma realidade paralela.

V) Sensação de vazio profundo
Como têm dificuldade para construir uma imagem sobre quem são, os indivíduos com Transtorno de Personalidade Limítrofe (border) são inseguros e não têm certeza sobre o que deve ser valorizado neles mesmos. O resultado é um sentimento de perda e vazio.

VI) Autopunição
A raiva alimenta um sentimento de autopunição, que se materializa em episódios como cortes e automutilação, especialmente em resposta a emoções negativas.

VII) Tendências suicidas e dores psicossomáticas
Nos casos mais graves, esses episódios de automutilação podem conter ideias suicidas. A dor física provocada é uma forma de fugir da dor psicológica. A somatização é um outro transtorno psiquiátrico, que pode ou não estar relacionado ao individuo border. Nestes casos, o indivíduo apresenta múltiplas queixas físicas, localizadas em diversos órgãos do corpo, como dores, diarréia, tremores, palpitações e até falta de ar, mas que não são explicadas por nenhuma doença ou alteração orgânica. 

Cada pessoa pode manifestar fisicamente as suas tensões emocionais em diferentes órgãos, podendo simular ou piorar muitas outras doenças.

Esses são alguns dos sinais mais comuns do Transtorno de Personalidade Limítrofe (Borderline) e que pode ser confundido com casos de Transtorno Depressivo Maior ou o Transtorno Bipolar, que por sua vez, podem ser doenças resultantes desta síndrome. Por isso, diante da presença de algum deles, torna-se importante buscar ajuda especializada para confirmar o diagnóstico e, assim, encontrar formas de enfrentar o distúrbio.

Lutem, resistam, a luta não acaba com um diagnóstico e os sonhos continuam lá fora. O mais importante mesmo é você aceitar a sua condição e seguir direitinho as instruções do seu médico. Vai por mim. 

Fontes: MundoPsicologos.com

sábado, 12 de janeiro de 2019

"Ela, a Lua" (parte II)

Leia a parte I <AQUI >
-"Lua, o sonho ainda não acabou."

A minha Lua enxugava as lágrimas que insistiam cair do seu rosto. Seus olhos eram negros como jabuticabas e brilhavam muito quando ela chorava, e mesmo diante de toda aquela situação difícil em que estávamos passando era impossível deixar de notar a sua beleza. Lua era linda. Linda por dentro e por fora. Não sei porque mas sempre dizia a ela  que sua cor interna era verde ardósia e cheirava alecrim e sua cor por fora era lilás com tons de branco, tão belo e delicado quanto as flores de um manacá-da-serra. Vivia misturando-me com suas cores e embriagando-me com as suas essências.

"- Já não sei mais Sol. Sabe, eu estou em busca de uma resposta. Eu estou procurando momentos que guardei para sempre na minha caixa de memórias velhas e tentando recuperá-los para revivê-los. Não estou aguentando mais tanto vazio."

Lua pegou uma das minhas mãos e começou a massagear - a palma - com a ponta dos seus dedos. Ela sempre fazia isso enquanto assistíamos filmes ou quando ficávamos sentados na varanda vendo o pôr-do-sol no entardecer, aquele que sempre dava um ar melancólico e nostálgico para nossas vidas.

"- Gostaria de saber realmente porque algumas pessoas foram embora sem me dizer adeus e porque que eu ainda sinto tanto a falta delas? Porque em alguns momentos me sinto tão só? Eu sei que não caminho sozinha e que minha estrada a frente diz para me desligar do passado, um passado que traz dúvidas e medos que achei que já havia enfrentado e que me fez forte para seguir de cabeça erguida. Juro que não sei. Não sei até onde sou capaz de chegar. Fico aqui me perguntando, me torturando com meus pensamentos. Sabe, tantas e tantas vezes me pego fazendo pedidos aos céus que me dê força e coragem para enfrentar meus fracassos e que as estrelas me iluminem e me abriguem no momento da dor. Mas não sei Sol, me sinto fraca."

Lua já havia terminado a massagem na palma das minhas duas mãos. Aconchegou-se na poltrona - aquela das histórias de fim de tarde - e encostou sua cabeça no meu ombro. Já não tinha mais Sol, a noite já havia chegado e com ela trazendo a escuridão para os olhos e para o coração de Lua. Não tinha nada que eu pudesse fazer para curar sua dor. Abracei-a.

"- Amanhã. Amanhã passa!"
Leia a parte I < AQUI >

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

"Quero minhas cores de volta"

 Não só as cores. Eu quero meus cheiros e meus sabores.

Todo dia é uma luta. É uma luta contra eu mesmo. É uma luta contra um cotidiano, contra um passado que resolvi deixar para trás. É uma luta que não acaba. Continua todos os dias. Meu problema é químico e, a química mais simples do cotidiano não resolve, do contrário, atrapalha ainda mais.

Todos os dias me pergunto onde estão minhas cores, meus cheiros e  meus sabores. Descubro-me no mesmo lugar onde parei, sem respostas, apenas com mais caraminholas na cabeça. Estou sempre voltando pro começo e nunca encontro a resposta para nenhuma pergunta.

Durmo. Sonho. Acordo. Durmo, tenho pesadelos e então acordo novamente. Pesadelos tão palpáveis que tem dias que acordo não sabendo se estou no mundo real ou no mundo dos sonhos. As sextas e sábados são os piores. Os dias de balada são um martírio. Sou um personagem solo, não diferente de  qualquer outro no jogo da vida. Exaustivamente tento expurgar meus demônios escrevendo estas palavras. Vazias, frias e inertes palavras.

Demônios? Eles existem, assim como os anjos. Todos os dias luto contra eles. Distingui-los neste mundo vasto e caótico é muito difícil. Posso dizer que convivi com vários deles e, hoje tento expulsá-los da minh'alma. Não consigo, sou fraco e covarde. Como é difícil ser um covarde neste mundo. Ainda mais neste nosso mundo.

Se eu pudesse, iria para o sul. Queria buscar a pureza de um mundo novo. Buscar a pureza de um amor lírico. Buscar a pureza de uma brisa verde aconchegante. Pois, neste mundo velho e repetido, eu só me corrompo. Corrompo e sou corrompido. No entanto não posso. Tenho que me aguentar nesse caos urbano. Vou me fundindo aos sons de buzinas, sombras de arranha-céus e os flashes dos outdoors de leds. Exaustivamente esperando as horas marcadas, os dias contados e as palavras iteradas. Malditas sejam essas horas repetidas. Se eu realmente pudesse jogaria tudo pro alto e correria atras da brisa das serras do sul. No entanto, no momento não posso. Não mesmo.

Assim continuo minha luta em busca de um esquecimento momentâneo. Continuo minha batalha contra minha rotina, dolorosa rotina. Continuo como um lutador sem forças, que vive perdendo - e vagando - nas esquinas deste mundo, vasto mundo. Claro que no meio das eternas batalhas diárias, é muito difícil abandonar a dor e cuidar do coração, mais difícil ainda é achar um remédio certo para as almas adoecidas, tristes almas doentes.

Que  Deus não me abandone nesta minha dolorida e destinada caminhada. Ou será que já fui abandonado?