sábado, 28 de abril de 2018

"Não é nada mãe"

                                                              Parte I
Hoje levantei bem cedinho sentindo o cheiro do café preto que só minha mãe sabe fazer. Acordei já arrumando o kit de sobrevivência que levo na mochila toda vez que vou passar uma temporada na casa dos meus pais. Minha mãe foi logo cedo preparando a mesa.

"Não vai filho, fica mais um pouco com a mãe." 

Bem que queria ficar, mas  tinha que voltar pra minha casa. Tinha que ver como estava aquele lugar, já abandonado há alguns dias por mim. Por mais que eu tentasse esconder minha mãe percebia a tristeza sendo refletida em meus olhos. 

"Filho, você sabe que não pode esconder nada da mãe, hein? Que foi filho? Fala logo. Estou aflita sem saber o que se passa e angustiada por não poder te ajudar. Sei que para você agora é um momento crítico e..." 

"Nada mãe. Não é nada que você precisa se preocupar mãe, já está passando." 

Foi isso que consegui dizer já com lágrimas nos olhos e um nó na garganta. É muito frustrante o fato de que minha mãe sempre me ensinou a ser forte em qualquer situação, no entanto aquilo havia me enfraquecido e eu não tinha coragem nem de dividir minha dor com ela. Covarde. Não. Na verdade tinha medo de deixa-la doente com meus problemas. Peguei um pedaço de broa de fubá e passei um doce de pêssego, ambos feito por ela, e comecei a comer. Minha mãe continuava a me olhar e eu sabia que ela queria saber mais.

"-Filho, alguma coisa esta errada. Você não sorri mais, não canta, não dança e nem tem mais disposição para conversar com ninguém. Eu quero o meu filho de volta. A única coisa que você fez foi ficar o dia todo em silêncio fechado no quarto, deitado naquela cama." 

Minha mãe sabia que algo estava errado, afinal ela que me criou. Desde criança, fui hiperativo e minha mãe sempre disse que me tornei um adulto elétrico. Mas agora tudo estava diferente. Eu realmente estava passando por uma fase difícil.

                                                              Parte II
"Oh meu filhinho, não esconda nada da mãezinha." 

Sim. Mesmo eu já sendo um homem barbado, minha mãe - as vezes - me trata como se fosse o seu menino que nunca cresceu. Não teve jeito, olhei pela janela, ainda estava escuro.  Comecei a chorar. 

"Olha filho, você disse que perdeu alguns de seus amigos, seus melhores sonhos foram destruídos e as pessoas começaram a te apontar e te julgar ser uma pessoa de má índole. Já sentiu muitas dores físicas e psicológicas. Vive dizendo que esta destruído, mas que tudo vai passar. Filho, a mãe precisa saber o que esta acontecendo de verdade." 

Acabei de tomar meu café num gole só. Chamei minha mãe para conversarmos na varanda. O Sol apontava timidamente seus primeiros raios sobre as montanhas que cobriam todo o horizonte. 

-"Estou com medo mãe! Estou tentando encarar tudo isso de cabeça erguida. E assim vivo tentando. Tentando reconstruir todos meus melhores momentos. E o tempo vai passando e eu nem dou conta do quanto estou infeliz na tentativa de voltar no tempo". 

Minha mãe me olhou com um olhar firme. 

"-Filho, não podemos viver do passado. Temos que amadurecer e seguir em frente." 

Engoli o choro mais uma vez, mesmo sabendo que minha mãe não se importaria se eu chorasse na sua frente. 

"-O fato é que o seguir em frente pode ser mais difícil do que pensamos, mãe." 

Meu pai entrou na varanda tateando uma cadeira para sentar. Ficou olhando para o nada, tentando imaginar o que se passava entre minha mãe e eu. Desde que meu pai perdeu a visão, tornou-se um homem extremamente sensível e auditivo. Consegue ficar horas ouvindo uma conversa antes de dizer uma palavra sequer.

" -Mark, você esta deixando sua mãe e eu muito preocupados. Fala filho. Quem sabe o paizinho aqui, que não sabe de nada destas cabeças de jovens, pode ajudar." 

Eu abracei meu pai. 

"-Sabe o que é pai? Estou com muito medo! Estou passando por um momento em que as coisas ao meu redor parecem ter perdido o sentido e entrei num profundo processo de auto-questionamento. Aqueles valores, sabe pai? Crenças e condutas que até então eram válidos já não são mais e, ao mesmo tempo, não consigo reformulá-los. Tudo isso é sentido por mim como um vazio dolorido ou um caos interior." 

Meu pai começou a chorar. Há muito tempo ele vinha acompanhando minha tristeza sem falar nada. Sofrendo comigo em silêncio. 

"-Filho, não precisa falar nada para o pai se não quiser, eu entendo pelo seu silêncio que você esta sofrendo. Mas, embora sinta muito sofrimento,eu sei que este é um momento precioso da sua vida por ser uma época de virada e superação." 

Minha mãe aproximou-se.
                                                                 Parte III 

Choramos os três abraçados na varanda. Peguei minha mochila, coloquei meus óculos e o fone de ouvido. Já estava atrasado para o ônibus. 

"-Filho quando você vai melhorar?"

"-Não sei mãe, não sei."

"E você, tem medo do quê?"

Era época de laranja madura e Mark ouvia do seu quarto, algumas já bem maduras, caírem dos pés.  Ele podia imaginar claramente sua casa rodeada de pés de laranjas e um milharal que se estendia até o horizonte. Mark sempre brincava sozinho depois da aula no milharal, no entanto, a noite ele tinha medo. 

Trancava bem a porta do quarto e a janela. Deitava na cama e cobria-se até a cabeça, não se importando com o calor do verão. Mark tinha medo, pois sabia que a noite seus pesadelos viriam e o assustaria. Seus pais já estavam acostumados com seus surtos de sonambulismo, já cansados de tantos médicos e especialistas só o que lhes restavam era trancar e esconder as chaves das portas.  

Naquela noite foi diferente. Mark acordou com o barulho de várias laranjas caindo no chão. Um frio paralisante tomou conta da sua espinha. Rapidamente cobriu a cabeça. Uma voz lá de fora o chamou. Ele trancou a respiração para ter certeza que não estava sonhando. Mais laranjas caíram do pé. Alguma coisa estava lhe chamando, e ele sabia que tinha que ir ver o que era. 

Suspirou, juntou forças e saiu da cama. Foi até a sala e olhou pelo buraco da fechadura. Uma linda lua cheia fazia com que os pés de laranjas fossem iluminados, tornando o milharal uma enorme mancha escura. Ninguém estava lá fora, ninguém estava chamando por ele, mas ele tinha que ter certeza. Seu corpo estremeceu no momento que abriu a porta. Nada. Somente a lua iluminando. 

Deu uma volta ao redor da casa, observou as laranjas maduras caindo todo o tempo. Nada. De repente, atrás da sua casa, ao lado de uma velha horta, uma brecha no milharal lhe chamou atenção. Teve calafrios e ficou paralisado olhando para aquele imenso e assustador milharal que brincava durante a luz do dia sem temor algum. Teve medo. Teve muito medo, mas algo o chamava. Fechou os olhos e desejou estar sonhando, não estava. O panico tomou conta de seu corpo, já não tinha mais forças para gritar. Queria chamar seu pai e sua mãe mas não conseguia. Olhou novamente para a entrada no milharal e correu o máximo que pode em sua direção, desaparecendo milharal a dentro. 

Sentia as folhas afiadas ferirem o seu rosto. Correu como se estivesse atrás de alguém ou como se alguém estivesse atrás dele. Parou. Sentindo-se perdido no meio do milharal não conseguia se mover, nem gritar. Só sentia o medo que paralisava todo seu corpo. Escutou um grito que o fez chorar de medo. Era sua mãe procurando por ele. 

Estes acontecimentos se repetiram por toda sua infância e Mark nunca soube explicar o porquê. Ele sempre corria na mesma direção no milharal. O curioso era saber que nesta direção, ao fim da plantação, havia uma casa abandonada que Mark jamais ousava se aventurar nas suas proximidades, nem mesmo durante o dia. Ele tinha péssimas lembranças daquela casa. Lá dentro, em noites de inverno, já havia amarrado e amordaçado sua mãe - que tentara cometer suicídio - para protege-la de seu pai - alcoólatra - que queria matá-la todas as noites.

quarta-feira, 25 de abril de 2018

"Somos todos assim"

Eu não sou uma doença. Eu não sou um problema. Eu não sou uma aflição. Eu não preciso de tratamento. Eu não preciso de ajuda. Eu não estou doente.  Eu não estou confuso. Eu não sou um pecado.

Eu sou assim.
Eu posso ser seu filho. Sua irmã. Seu melhor amigo. Seu colega de trabalho. Um conhecido. Um completo estranho.

Eu sou assim.
Eu preciso de amor, assim como você. Eu preciso de sorrisos. Preciso de suporte. Eu preciso de um abraço. Eu preciso de um amigo. Eu preciso de uma família. Eu preciso de aceitação. Eu preciso entender. Eu preciso de você.

Eu sou assim.
Eu sei o que é o amor. Eu sei o que é a dor. Eu sei o que o ódio é. Eu sei o que é a vida.

Eu sou assim.
E eu preciso que você me ame. Da mesma maneira que você me amou antes de você saber que eu era assim.

Eu sou assim.
E eu tenho experimentado o ódio de um monte de pessoas, além de você.

Eu sou assim.
E eu não vou mudar. Eu não vou desistir. Eu não vou largar. Eu não vou fingir. Eu não vou mentir. Eu não vou negar. Eu não vou esconder. Eu não vou deixar doer ainda mais.

EU SOU ASSIM. E isso é maravilhoso!

"Províncias do amor!"


"Mark!"
"O quê?"
"Preciso de sua ajuda!"
"Com o que, Edu? Estou ocupado."
"AMOR".
"Você já sabe como fazer amor, cara."
"Não fazer amor, só AMOR!"
"Por que você está me perguntando isso só agora?"
"Você é o primeiro de meus amigos que assumiu  amar outro cara!"
"FOI?! Como você tem tanta certeza sobre isso? Você não tem nenhuma evidência sobre o assunto!"
"Pare de fazer isso com você mesmo, admita. Todo mundo já sabe! Acho que eu gosto de um cara!"
"Então, qual é o problema?"
"É o Canadá!"
"Quem?"
"Ah, esquece! Péssima ideia me abrir com você"
"Nein, agora que começou diga-me, qual é o problema?"
"Bem, ele tem províncias!"
"Províncias?"
"Sim! Você vê o problemão em que me meti?!"
"Nein?!!".
"Províncias são como ter filhos!"
"Ahhh... Agora sim entendi! Você é gay e não pode ser um homem de família, ter esposa, filhos...?."
"Nein, nada disso Mark..."
"Agora que eu não estou entendendo mais nada Edu!"
"Bem que poderia ter sido bom se ele tivesse dois ou três, mas ele tem treze!"
"Treze filhos?! Você está exagerando."
"Exagerar! Será que a Itália tem treze filhos?"
"Pode parar Edu. Eu amo a Itália!"
"Você também?"
"Hein?!".
"Nein! Esquece. E mesmo que eu ame, não tem nada a ver com o assunto em mãos!"
"Tudo bem. Eu só não sei o que fazer.Estou muito confuso agora... Se você tem um problema com ele, por que você acha que você pode amar?! ..."
"O Canadá?".
"Quem? Oh, sim. Canadá. Porque você acha que você pode amar este Canadense?"
"Bem, eu acho que ... Ele é muito bom e ele é quente, também! Não de uma forma literal, mas você sabe. Nunca pensei antes, mas ele tem muitas coisas para falar e tem um amplo ponto de vista sobre o mundo que... Que eu nunca considerei. "
"Não soa como algo que você gosta, tirando o fato de que ele é 'quente'."
"Eu sei, mas por alguma razão ele parece me entender."
"Sério? Essa é uma habilidade. Eu não posso sequer entender você, e eu sou só seu maninho, cara. Esta pessoa, o tal de Canadá, deve ser muito especial."
"Sim, ele é."
"Parece que você o ama, então?"
"Eu acho que sim... Eu..."
"Então, tudo bem,  não tem problemas em estar amando alguém."
"É ... Eu sei que você esta certo Mark. Você esta certo cara, mas..."
"Mas o que? Chega desta conversa confusa. Posso ir agora?"
"Por quê? Onde?"
"Eu tenho que levar a Itália para jantar e pedir em casamento."

sábado, 7 de abril de 2018

"Animal - um ser irracional e feliz"

"Não precisarei sentir. Pelo menos não os sentimentos humanos. Estes são tão ruins. Vejo destruindo-os aos pouquinhos. Eu não suportaria tanta dor e sofrimento, que estes causam a si mesmo.

Como podem ainda ter forças para erguer a cabeça todos os dias pela manhã?

É tanta agonia, é tanta ansiedade e palavras destrutivas que se alimentam de suas mentes e corpos. Sinto calafrios na espinha só de pensar sobre isso. 

Eu, ainda que não seja, prefiro ser chamado de animal - um ser irracional e feliz."