sábado, 29 de setembro de 2018

"Cidades de chuva" - (conto, capítulo I)

Das Crônicas "Viagens de um menino voador"

O desaparecimento
Hoje faz um ano que eu desapareci pela primeira vez. Faz exatamente trezentos e sessenta e cinco dias que as pessoas estão desaparecendo repentinamente sem motivo algum.

No início tive muito medo, fiquei confuso e entrei em pânico. Minhas tentativas de falar com outras pessoas sobre tais desaparecimentos me renderam problemas familiares, perdas de emprego e muitas visitas a psicólogos e psiquiatras. Sim, neste mundo em que apenas eu percebo as pessoas desaparecerem, sou tratado como doente mental. Sou apenas mais um  paranoico - ou psicótico - no mundo, e óbvio que ainda me chamam de tantos outros nomes  quando não estou por perto que nem consigo imaginar. O que posso dizer é que todos os desaparecimentos acorrem somente nos dias de chuva.

Ultimamente adotei o silêncio como estilo de vida e observo  calado o desaparecimento das pessoas, que tem sido cada vez mais frequente. Vivo uma rotina angustiante, tentando adivinhar quem será o próximo a desaparecer  e não tenho ninguém para qual posso pedir ajuda. Muitos amigos, e até pessoas da minha família, sumiram de repente e nunca mais voltaram. Estou com medo de desaparecer também com a chuva. A vida  realmente me aprontou uma ironia cruel tornando a chuva, antes minha melhor amiga confidente, em meu real maior pesadelo. Estou em desespero.

Chuva
"Eu te amava chuva, com toda minh'alma. Com você ninguém podia ver que eu estava chorando.
Toda minha dor ficava escondida em suas gotas enquanto eu estava morrendo lentamente.
O medo em meus olhos era o único vestígio do meu sofrimento, então eu os fechava e sorria.
Ninguém além de você, chuva, precisava saber quem realmente era eu."

A chuva
Em pé, com frio, estava esperando a chuva passar para que eu pudesse ir trabalhar. Depois de quase uma hora olhando os carros passarem com suas janelas embaçadas, percebi que algo estranho estava acontecendo lá fora. Algo normal não estava acontecendo lá fora. Sim, este era o problema: nada normal estava acontecendo. Somente o frio, a chuva, os carros com suas janelas embaçadas e as pessoas com seus guarda-chuvas.

Senti um frio na espinha e um desconforto repentino causados pelo vento úmido que escapava pela única porta entreaberta do estabelecimento. Comecei a ter uma sessão ininterrupta de calafrios, que me fez enrolar rapidamente o cachecol em meu pescoço e apertar meus braços em um forte abraço a fim de me proteger do frio e daquela sensação desconfortável que senti. Me aproximei da vidraça, passei a mão no vidro com intuito de secar a umidade e ver o que se passava lá fora. Nada. Realmente eu não vi nada.

Estava eu, um amontoado de carros vazios abandonados pelas ruas e uma quantidade enorme de guarda-chuvas solitários sendo arrastados pela chuva. Andei em direção a saída e pude observar que uma tempestade com nuvens negras estava vindo em minha direção. Desci as escadas que levava para a rua e comecei a andar mais rápido.  Não estava mais preocupado com aquela chuva que molhava minha roupa.

Andei, corri por um tempo. Tudo que encontrei foram lojas, casas e carros inabitados. As pessoas haviam sumido. Eu estava só. Cheguei na avenida principal, corri mais um pouco sem destino algum pela rua deserta até que meus pulmões começaram a arder por falta de ar, resultado da minha vida sedentária. Parei em frente de uma vitrine enorme, me aproximei do vidro para ver se enxergava alguém lá dentro. Ninguém.

Naquele momento reparei que mesmo estando todo encharcado de água da chuva eu não estava sentindo frio. Afastei-me para trás e percebi que não conseguia ver meu próprio reflexo na vidraça. Aterrorizado desequilibrei-me na beira da calçada e caí de costa na rua. Bati a cabeça com força no asfalto, não senti dor alguma. A dor parecia não existir mais nesta minha nova e assustadora experiência. Fiquei por um longo tempo tentando sentir os pingos gelados da chuva em meu rosto, sem sucesso. Notei que o céu estava totalmente negro e aquelas nuvens assustadoras que me perseguiam tinham me encontrado. O silêncio dominava a minha mente.  O som da chuva caindo foi diminuindo, assim como a realidade  que meus olhos eram capazes de ver também estava desaparecendo. Já não existia mais ninguém.

Senti que eu estava desaparecendo também. Só estava restando a chuva fria, os carros cinzas, os prédios vazios, os guarda-chuvas e as nuvens. Nuvens negras, vazias e cruéis.

"Vai e viva"

Chega um dia rapaz, que você não liga mais.

Conforme o tempo passa, certas coisas tornam-se irrelevantes. Você então saí de cara lavada, com uma mochila rasgada e não está mais nem aí para o que dirão. De repente aquela roupa repetida não se torna mais motivo de preocupação, agora tanto faz, você tem outros problemas mais sérios pra se preocupar. Pouco importa se vai usar a mesma camisa de dois ou três dias trás.

Sabe aquela neura a respeito de: "o que vão pensar se?" Gradualmente ela vai desaparecendo. Você já não liga mais tanto assim, embora possa se preocupar com isso vez ou outra, mas não é mais frequente. É um processo de amadurecimento, e mesmo assim, infelizmente há muitas pessoas maduras que ainda batem cabeça com essas tais coisas minímas. Sim, este é um processo de auto-aceitação. Você começa a ficar de boa com o seu  espelho externo  e se torna íntimo do seu espelho interno.

Isso não quer dizer que não há mais problemas, longe disso. Os problemas continuam no mesmo lugar de sempre, mas você vai aprendendo a lidar com eles. Os pequenos detalhes não incomodam mais tanto assim.

Você sai sorridente mesmo com aquela barba mal feita, vai para rua desarrumado e despreocupado. E mais, você aprende que ninguém liga, todos estão ocupados checando seus smartphones. Você deve deixar o photoshop e seus mirabolantes efeitos de lado e ser feliz, sendo exatamente quem você é, quem você vai se tornar e não, não querer nunca mais se encaixar num padrão imposto pelo sistema. E acima de tudo:  aceitar-se, de corpo e alma.

Então, deixe de lado essas neuras, e vai. Vai ser feliz agora. Corre que ainda dá tempo.

(Texto: Leticia Moreira)

"Vontade de comer não-sei-o-quê."

-"Doutor, eu preciso saber, o que eu tenho?"

-"Calma filho, diga-me o que sentes?"

-"Uma dor aqui, sabe?"

-"Prossiga."

-"Um vazio, na alma Doutor."

-"Certo, pelo que você descreve você deve estar sofrendo de mesmice-aguda ou do mal-de-rotinas.

-"E isso é grave Doutor? Tem cura?"

-"Sim, é gravíssimo, mas posso te ajudar. Geralmente está ligado ao modo de vida em que você esta levando. Pode me dizer quando começou a sentir isso?"

-"Sempre. Desde sempre. Acho que nasci com este vazio no peito."

-"E durante sua vida o que você fez para tentar preencher este vazio"?

-"Tudo Doutor. Já fiz tudo. Já fui empacotador, técnico em informática, consultor de vendas, pintor, blogueiro, escrevi um livro que ainda não acabei de ler. Já quis ser um gato, um artista de rua, um canguru.  Fiz tatuagens em mim mesmo, fui hippie  e contador de estórias. Fritei meus poucos neurônios com drogas psicodélicas poderosas. Sempre quis ir morar na Índia. Chorei dias e noites sem cessar, vomitei em ambulâncias, tomei overdoses de ansiolíticos, não quis casar com uma pessoa que me amava em segredo. Tentei a carreira de artesão, desenhista e até quis ser Deus pra tentar matar meu inimigo interior. Já tive a grande realização de ter um filho, mesmo que a mãe não saiba que é meu. Plantei uma ameixeira que está dando frutos. No meio de tantas escolhas e caminhos da minha vida, encontrei pessoas maravilhosas que me mostraram outras formas de viver a vida. Umas moram bem pertinho, as quais abraço todos os dias, outras bem longe, as quais desejo um dia as encontrar e tomar um bom vinho numa tarde nostálgica e conversar sobre a vida. 

-"Prossiga."

-"Minha mãe sempre disse que mesmo sendo um pouco estranho, com alta tendência depressiva e esquizofrênica, consigo lidar muito bem com meus monstros reais ou imaginários que vivem dentro de mim. Me entende Doutor? Entende minha angústia? Mesmo tendo feito muita coisa me sinto assim, vazio, sabe? Uma vontade de comer não-sei-o-quê e de chorar não-sei-porquê."

-"É, acho que você precisa procurar um bom médico rapaz. E eu também."

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

"O despreenchimento"

Das tentativas de se preencher - capítulo I

-"Você não é muito certo da cabeça meu filho." 

Quando criança, sempre ouvia isso da boca da minha mãe. Não era e nem nunca será uma ofensa, na verdade "não ser muito certo-da-cabeça" fazia com que eu me sentisse diferente - de um jeito bom - perto dos meus outros sete irmãos mais velhos. Bons tempos, idos tempos e então eu cresci. E as coisas não ficaram tão boas assim. Me descobri ansioso e insatisfeito com tudo. Era uma busca incessante pelo novo, o qual se tornava velho e desinteressante assim que eu o encontrava. Uma luta diária contra minha sina de viver repetindo coisas desinteressantes dias após dias. Com o passar dos anos, a frase da minha mãe ficou mais séria e desesperada:

-" Meu filho, o que você tem nesta cabeça confusa? Por que você começa mil coisas e não termina nenhuma sequer? Você é tão inteligente."

-"É  o vazio mãe. Aquele nó - ou dor - no peito, sabe?"

Não sei quando veio - o tal vazio - mas acredito que ele me acompanha desde que me dei conta do mundo. Então tive sérios problemas de socialização com outras crianças por pensar-diferente - gosto de usar o termo sentir-diferente - já que as brincadeiras em grupo deixavam de ser interessantes em menos de cinco minutos.

Aquelas conversas de adolescentes me enchiam o saco, e foi nesta fase que descobri que eu gostava - e me sentia muito melhor - quando conversava com adultos. Sem dúvida alguma, em toda minha adolescência - e até hoje - eu mantive um círculo de amizade saudável com pessoas mais velhas do que eu. Mesmo rodeado de tanta gente, muitas vezes ao deitar a cabeça em meu travesseiro, o vazio tomava conta do meu corpo e desintegrava tudo que eu havia construído pra mim até aquele momento.

Foi aos vinte anos que as coisas pioraram. Eu nunca vou esquecer das palavras de um professor de Filosofia que dizia: "não há nada de ruim que não possa piorar" ou "agradeça pela dor de hoje, já que amanhã pode ser pior ainda". Ele era um bom professor, mas acho que algum momento da sua vida o tornou  amargo - ou realista demais - e adotou isso como lei para qualquer ser vivo pensante. Então, beirando aos vinte dois, eu já havia desistido da minha faculdade, de uns dez cursos tecnológicos, de algumas plantas - que morreram após dias sem água - e estava apenas trabalhando. Apenas isso. Era um trabalho de merda. Assim eu vivia, aquele vazio assustador dentro de mim e uma vontade constante de sair  gritando e vomitando não sei o que pelo mundo a fora.

O barulho na cabeça - capítulo II
Numa noite quente - era início do verão - ouvi pela primeira vez o barulho na cabeça. Há nove meses eu estava passando por uma fase muito boa, e de um dia para outro tudo mudou. Perdi o controle da minha vida e num piscar de olhos meu mundo ficou cinza. Eu não fui trabalhar naquela tarde. Sentei na varanda da casa e esperei o Sol desaparecer no horizonte alaranjado. Naquele momento senti que o vazio dentro de mim já não era tão ruim assim. E que o barulho - um chiado que me causava náuseas -  na minha cabeça era suave perto da dor que viria a sentir no peito.

Sim, a dor começou bem ali aonde a gente diz que fica o coração. Mas esta é história para outro dia - ou outra vida - quem sabe.

"Já li tudo cara. Já tentei macrobiótica, psicanálise, drogas, acupuntura ,suicídio, ioga, dança, natação, cooper, astrologia, patins, marxismo, candomblé, boate-gay, ecologia. Sobrou só esse nó no peito. E agora faço o quê?"
(Caio Fernando Abreu)

sábado, 22 de setembro de 2018

"O vazio, o café e a primavera"

Das crônicas “Viagens de um menino voador

O vazio
Depois de alguns eternos meses, estou aqui novamente na frente do computador querendo voltar a escrever alguma coisa. No entanto, queria escrever algo que realmente valesse a pena você ler, e sinceramente tenho a impressão de que já falei tudo que tinha que falar. Aconteceram tantas reviravoltas na minha vida que literalmente abandonei muitas outras - coisas - que gostava de fazer. Pelo simples fato de que todas tornaram-se desinteressantes para mim. Começo a acreditar que nada mais me satisfaz. É uma busca incansável por coisas novas todos os dias. E este novo se torna velho e inanimado em questão de dias ou até mesmo horas quando o encontro. Realmente nada me deixa feliz, e isso esta me deixando exaustivamente preocupado e insatisfeito. Isso é nítido em minha vida. Os reflexos deste vazio interior já começou a afetar minha vida profissional, minha vida afetiva e estou começando ficar extremamente preocupado com minha sanidade mental.

Estes dias chuvosos de fim do inverno e inicio da primavera, lembrei do meu anjo. Aquele meu velho anjo, o Gabriel. Depois de abandona-lo por tanto tempo, como fiz com tantas outras coisas e pessoas, resolvi chama-lo para conversar e talvez tomar uma xícara de café. Pensei que jamais iria me aceitar de volta. Assim o fiz. E claro que, como um bom anjo - um anjo amigo, diria - aceitou meu convite sem exitar. Fomos tomar um café na praça, mesmo sabendo que o café me causa extrema dor no estomago. Não é o café. Realmente não é o café que faz doer, mas sim este vazio monstruoso que sinto aqui dentro.

O café
 “Como vai velho amigo?”- indagou-me com um belo sorriso mostrando suas covinhas adoráveis na bochecha.

“Maravilhosamente bem!”- foi a atuação cinematográfica mais maravilhosa que já fiz para alguém. Na verdade não estava querendo ser falso, só não queria demonstrar minha tristeza.

“Certeza disso menino?” - abaixou a cabeça, fez uma cara de mal e me olhou por cima dos seus óculos, deixando a vista seus lindos olhos azuis.

“Sabe Gabriel, sabe aquela dor? Então, ela voltou.” - Gabriel sempre soube da minha dor. E como todo bom anjo amigo acalentou meu coração com suas palavras de motivação e otimismo. 

"Você precisa perdoar-se menino, chega de sofrer com isso. Mas, se isso ainda lhe aflige o coração, tenha calma. O tempo vai se encarregar de curar a dor na sua alma. Pois saiba que nenhum sofrimento é eterno, já dizia a minha mãe." - Gabriel me olhava com um olhar sereno e piedoso.

“Sim Gabriel, meu coração parece de elástico.” - eu sabia o que isso queria dizer e percebi que  Gabriel também tinha entendido, talvez até sentido a minha dor.

“Coração de elástico? Gostei desta definição.” - Gabriel ficou olhando para o nada. Era como se estivesse encontrado a resposta para uma pergunta que o havia atormentado a vida toda.“Verdade menino. Um coração elástico. As vezes dói mais, as vezes dói menos. Não é?” - fitou-me. E eu estremeci.

“Bem assim, parece que estou doente do coração” - poderia ser doente da mente ou da alma também.

O outro café
Mudamos de assunto rapidamente. Acredito que nenhum de nós dois estava preparado para falar sobre o tal assunto, o assunto do coração.

“Mark, seu menino levado, porque parou de escrever suas estórias? Hein? Seu menino preguiçoso. Fique sabendo que comecei a reler muitos de seus textos.” - fui tomado por um misto de sensações.

“Nem me fale Gabriel. Acredite em mim amigo, eu sei que preciso voltar a escrever. Porém não sei sobre o que. A escrita parece que se tornou invalida, inútil e inanimada para mim.” - fechei os olhos e suspirei fundo. Estava preparado para receber um chá de realidade na cara.

“Mas você tem muita coisa para escrever. Você tem que falar e mostrar muita coisa para tanta gente.” - Gabriel me olhava tão entusiasmado que chegava a impressionar.

“Perdi tanta coisa, abandonei tantas outras por aí, e acabei me sentindo meio solitário. Na verdade acho que só estou precisando de um motivo para escrever.” - realmente, eu estava precisando de motivos até para respirar naquele momento.

“Então menino, vou te dar um motivo. Posso?” - tomou um gole do café quase frio, colocou os cotovelos sobre a mesa e esperou a minha resposta.

“Pode.” - foi uma resposta sem nenhum entusiasmo.

“Eu.” - me olhou novamente por cima de seus óculos. Tive a leve impressão de que ele sabia qual arma usar contra minha pessoa.

“Então, posso te confessar um segredo? Mas você tem que fingir ser outra pessoa.” - tinha certeza que Gabriel iria concordar com minha condição para ouvir o que eu queria falar.

“Claro que pode.”  sorriu e fechou os olhos apertando-os bem forte. Este era o nosso código para dizer que estava tudo bem.

“É sobre um menino, uma vida, um vazio e um monstro.” - tomei o último gole de meu café já frio.

“Continue...” - Gabriel fez um gesto para a garçonete, pedindo-lhe que trouxesse mais dois cafés quentes.

“Então. este menino sofreu em toda a sua infância acreditando que haviam monstros assustadores embaixo da sua cama. Foram dias cruéis para aquela criança. Não obstante, os dias de menino passaram rapidamente e logo entrou na adolescência, e assim como o desabrochar de uma rosa, um dia a vida era inocente e deslumbrante  e no outro já não mais, secou. Claro que, dias piores estavam por vir, quando já homem feito, teve que encarar a vida adulta e a descoberta de que, monstros mais malvados e obscuros não viviam embaixo da cama, mas sobre e envolta delas.” - continuei a estória sob o olhar entusiasmado de Gabriel.

A primavera
Continuei, assim como a chuva lá fora preparando a terra para a chegada da Primavera. Assim espero, claro, se este vazio não tomar conta  de mim e todas as flores da minh´alma deixarem de existir.

sábado, 15 de setembro de 2018

"Mas e hoje, faço o quê?"

Hoje pela manhã, sem nem levantar da cama, abri o blackout da janela para iluminar meu quarto. Não tinha ânimo para levantar. Fiquei por alguns minutos imóvel, observando meu quarto vazio e em silêncio, na esperança de que a luz do dia trouxesse a paz que eu tanto procurava.

Me revirei na cama uma ou duas vezes, olhei para o guarda-roupa e uma coisa me chamou atenção: um mini mapa - destes de bolso - recortado e colado em uma das portas, tendo sobre a Índia um circulo vermelho feito por um pincel atômico vermelho - qual roubei do professor de Filosofia - destacando nitidamente meu fascínio por aquele lugar.

Fechei os olhos, e depois de tanto tempo lembrei de um - tive muitos - dos meus sonhos. Um daqueles sonhos de criança, sabe? Tudo que havia acontecido comigo tinha me deixado tão fragilizado, tão desesperado que acabei esquecendo a vontade de ir conhecer a Índia. Alias, eu acabei esquecendo de todos os meus sonhos e acho que nunca mais vou ter forças para tentar realiza-los. Voltei a fechar os olhos e imaginar como seria viajar para Índia. Então, naquele instante, fui tomado por uma tímida energia e uma vontade de querer minha vida de volta, de querer os meus sonhos, de querer sentir novamente as coisas que me traziam felicidade.

Suspirei fundo, coloquei a mão sobre meu peito - ali daquele lado que fica o coração - e pensei comigo: "Bom, o primeiro passo é achar um jeito de acabar com esta maldita e angustiante dor no meu peito. Mas qual jeito? Já tentei de tudo. Desde os cházinhos da minha mãe, as longas terapias psiquiátricas até as diversas drogas - licitas e ilícitas - que me levaram a UTI. Que mais eu devo tentar?". Ainda não sei.

Tomei coragem, levantei e sentei na cama. Olhei pela janela, uma leve brisa morna de outono tocou meu rosto. Forcei a abertura da janela que estava emperrada devido ao longo tempo que eu não abria. Senti minha boca amarga, estômago doendo, uma sensação de estar em outra realidade. Olhei para minhas mãos - trêmulas - esfreguei uma na outra meio que por compulsão e pensei: "Mas e hoje, faço o quê?"

Um canário timidamente começou a chilrear, sentado no pé de ipê ao lado da minha janela. Uma buzina ao longe indicava o inicio da rotina de mais um dia. Que dia, que rotina, que vida!

sábado, 8 de setembro de 2018

"Escrevendo minha vida" - parte I

Depois de pensar muito sobre o assunto, resolvi iniciar a série "escrevendo minha vida" - escrevendo minha vida - e que provavelmente nunca terá um fim pelo mesmo motivo que a mesma começou: eu vou morrer jovem.

Nunca entendi, mas desde minha infância eu sempre tive a sensação de que a morte viria me visitar muito cedo e hoje com 28 anos descobri que ela esta mais próxima do que eu imagino. Nunca pensei em como exatamente irei morrer, mas em certas situações do meu cotidiano sempre me imagino morrendo: ao ligar o chuveiro, por exemplo. Já pensou morrer eletrocutado ou escorregar e bater com a cabeça no piso? Quando saio na rua me imagino sendo atropelado ou alguém caindo de asa-delta em cima de mim. Até dormindo tenho medo de me enforcar com meu fone de ouvido, no entanto sou corajoso, sempre vou dormir ouvindo música por causa dos barulhos que eu ouço na minha cabeça. Mas esta é outra história, clique aqui se quiser saber. 

Realmente, não sei por onde este medo começou - o tal medo da morte - mas as primeiras lembranças que tenho é dos entardecer silenciosos lá na casa dos meus pais. Nasci e me criei em um sitio, no interior do sudoeste do estado do Paraná - Chopinzinho, Paraná - e mesmo sendo muito pequeno lembro que a noite me trazia uma sensação de profunda agonia e angústia. Lembro exatamente do Sol se pondo no horizonte atrás das montanhas e levando com ele toda a minha tranquilidade e serenidade de menino. Hoje, mesmo tendo passado tanto tempo, se  fechar os olhos ainda consigo sentir exatamente aquele céu alaranjado com aquelas centenas de cigarras e o cheiro do entardecer me asfixiando a cada minuto que se passava. 

Não posso afirmar aqui que todos os dias eram horríveis. Claro que não. Estou falando das noites. Também não todas as noites. Só algumas noites. E sei dizer exatamente quais as noites. Meus pais sempre foram muito trabalhadores e honestos e sempre ensinaram eu e meus sete irmãos a ser assim também. Sim, tenho sete irmãos: um homem, seis mulheres e eu. Pode até soar estranho ou até engraçado este eu, mas é assim que sempre me senti. Estranho para os outros, mas para minha própria auto-estima, sempre me denominei engraçado. Engraçado e feliz durante o dia e estranho e triste durante a noite. Ah, não posso esquecer das malditas noites dos finais de semana. Eu ainda as odeio. 

Nos finais de semana meu pai tinha costume de ir num boteco tomar cachaça e jogar baralho. E claro, voltava bêbado para casa e as noites eram um inferno. Beber não era o problema, mas ele chegava em casa e começava a brigar com minha mãe acusando-a de um milhão de coisas sem fundamento e os dois começavam a se ofender com palavras até baterem com as mãos ou objetos na cara do outro. Não sei precisar com que frequência e em que período exatamente isso ocorria, só sei dizer que quando chegava as noites dos finais de semana eu ia dormir na casa de uma das minhas irmãs, já casada, para evitar de ficar vendo toda aquela bagunça dos pais bêbados. 

Então, os fatos aconteciam exatamente nesta ordem: meu pai trabalhava de sol-a-sol a semana toda, no final de semana enchia a cara, brigava com minha mãe que, cansada da situação e sem poder lutar contra unia-se a ele e tornou-se também compulsiva por álcool. As minhas irmãs acabaram se cansando das brigas e se casaram muito cedo e só restou meu irmão e eu com dois pais bêbados. 

Quero deixar bem claro que não foi toda esta história de alcoolismo, constantes brigas dos pais e tal, que me deixava com medo. Eu não acredito em transtornos psicológicos e coisas do gênero causadas por um trauma de infância. Posso afirmar aqui que desde que me senti como ser humano já carregava esta sensação dentro de mim. Muito antes de qualquer tragédia que viria a surgir na minha família. Acredito que certas fobias não são adquiridas, mas nascemos com tendências a senti-las e basta um ambiente favorável para que uma cadeia de sensações nos tome e nos obrigue a carrega-las para sempre. Porque durante algumas noites, na época do auge do alcoolismo dos meus pais, na verdade fui até bem corajoso. Coisas como ter que cortar a corda com que minha mãe bêbada tentava se enforcar em um pé de pessegueiro ou ter forças para ajudar meu irmão a imobilizar meu pai para que ele não tomasse veneno com intuito de se matar. Até mesmo enfrentar o milharal, o qual eu morria de medo - clique aqui, e leia a história do milharal -, para esconder minha mãe em uma casa velha, na divisa de terras do meu pai. Na verdade, fui até bem frio na minha infância. 

Nunca vou esquecer de uma noite de inverno que ajudei a minha irmã, a mais jovem das mulheres, a amarrar e amordaçar minha mãe para que ela ficasse quieta enquanto meu irmão distraía meu pai e tentava tomar o machado das suas mãos para que não assassinasse minha mãe. Meus pais sempre foram  pessoas extremamente queridas - clique aqui para entender o porque e são os melhores pais do mundo. No entanto, quando bebiam não tinha quem os segurasse. Meu pai adquiria uma psicose tão grande que achava que todo mundo queria mata-lo e minha mãe, uma força descomunal. Mesmo assim, nos amávamos e lutávamos todos os dias para que nossa família não se desintegrasse por causa do álcool. E deu certo. 

Alguns anos depois, após muitas perdas e tragédias, meus pais pediram ajuda para se livrar do alcoolismo e todos nós, filhos e filhas estávamos de prontidão para ajudá-los. Foi a salvação da vida do meu pai e da minha mãe. Se não fosse pela força de vontade dos mesmos, ou o álcool por si só os tinha matado os os dois já tinham se espancado até a morte. Enfim, teve um final feliz iguais a estes de cinema. Pena que muitos por aí não tiveram a mesma sorte que eu. 

Voltando ao meu medo da morte, torno a afirmar que mesmo antes de tudo isso acontecer, eu já o sentia e sabia a cada entardecer, que iria morrer jovem. As coisas só pioraram quando entrei na adolescência. Acredito que as descobertas, não só físicas mas também as emocionais e espirituais, começaram a mudar muito a forma de como eu via - e sentia - a vida.

Vou deixar para uma próxima postagem. Se der tempo. Se eu não morrer até lá.

"Relógios de Bolso: Um acessório aristocrático"

Coleção Relógios Históricos: Júlio Verne
Um amigo comprou um relógio histórico de coleção e resolveu me dar de presente pois achou a minha cara. Lógico que entendi o comentário como um elogio. Gostei muito do relógio (foto acima) e resolvi pesquisar um pouco sobre este relógio, no caso o de Júlio Verne*. Então encontrei no blog Dona Xícara e o Senhor Bule*  informações importantes sobre relógios que fizeram história.

Então vamos começar com a história dos relógios:
Durante os séculos os seres humanos precisavam se guiar e "controlar" o tempo, para isso os nossos antepassados usaram diversos tipos até chegarmos no nosso lindo relógio digital de pulso que troca de pulseira, faz leitura de batimentos cardíacos e outras coisas mais. O Sol foi o primeiro relógio de que se tem registro. Até na Era Paleolítica eles usavam. O mais antigo relógio de Sol conhecido, foi construído no Egito por volta de 1500 a.C.

Tem o relógio de Água. Também chamado de clepsidra. A mais antiga foi encontrada em Karnak, no Egito. Outros foram encontrados na Grécia Antiga 500 a.C aproximadamente. Na China um astrônomo inventou uma que indicava o movimento dos planetas.

A ampulheta ou relógio de areia é a mais conhecida quando se fala em relógios antigos. Além do tempo propriamente dito é muita utilizada para representar a transitoriedade da vida. Muito associada ao Egito. E por volta de 1500, o tio Pedro Henlein, na cidade de Nuremberg, criou o nosso amado relógio de bolso, que era chamado de Ovo de Nuremberg. Aparentemente era meio feio. Era de ferro, com corda para quarenta horas (não sei pra quê tudo isso), constituído por um indicador e por um complexo mecanismo para badalar (não sei pra quê). Acelerou em diversos países, principalmente na Europa,a fabricação de melhorias e aumentando a indústria relojeira. Eram tão raros e tidos como verdadeiras joias, o que realmente são, que por sua vez eram simbolos da alta aristocracia. Atualmente qualquer um pode ter, apesar de serem carinhos. O bom é que ainda não perderam a elegância.

Vou até o relógio de bolso que eu ganhei,  porque é o que me interessa: Julio Verne 
Viajante apaixonado, investigador incansável e devorador de livros, Júlio Verne soube criar uma literatura visionária que combinava a fantasia com os dados científicos, antecipando fatos e avanços tecnológicos impensáveis na sua época e que hoje são uma realidade. Júlio Verne? Isso mesmo, aquele escritor francês de 20.000 Léguas Submarinas (eu tenho esse livro, mas até hoje não li ele todo. Mas o inicio é bom). O que dá a este escritor todo esse prestigio? A capacidade de juntar fantasia com dados científicos. Quando ele fez o 20.000 Léguas, ainda não existia o submarino, mas lá estava o submarino na obra dele.

Na tampa do relógio tem um “J” e um “V” juntos na cor dourada, as iniciais de Júlio Verne. Você aperta um botãozinho na parte de cima e ele abre. Para fechar é só pressionar a tampa contra o corpo do relógio. Na parte de dentro do relógio tem o mostrador no formato 12 horas e a embaixo os de segundos. Os números são árabes. Na parte de trás do relógio  tem uns desenhos que parecem folhas. Em uma coluna as folhas tem as pontas viradas pra baixo, na outra as folhas tem as pontas viradas pra cima. Na outra parte uma flor longa. E o quê acompanha o relógio que nós amamos? Uma corrente linda. Lembra do Coelho Branco da Alice? Igual ao que ele tem. É absolutamente perfeito. Esses relógios além de lindos vem com história e cultura pra gente. É isso pessoal, até o próximo post.

OBS: Nunca imaginei que seria tão interessante viajar pela história de um acessório tão simples e que muitas vezes passam despercebidos, a não ser que você esteja atrasado.

terça-feira, 4 de setembro de 2018

"Como se fosse"

É fato, o mundo se divide sim, entre aqueles que sabem e os que não sabem que existe diferença entre "mas" e "mais".

"Como se fosse"
Como se o mundo fosse realmente feito apenas de lágrimas e sorrisos, anonimatos e visibilidades ou de mansões e baixo-de-pontes.  E, como se o ser humano não fosse capaz do mínimo e do máximo, do melhor ao pior nos extremos de seu paradoxo constante, com suas incongruências de ser e estar, de viver e existir. 

Como se escapasse de si e só voltasse a cada dor e prazer, e apenas nesses momentos. Como se espetasse o dedo com agulhas dos sentidos para sentir-se vivo. Não obstante as ausências, convivendo com todas as mentiras e principalmente as verdades, que doem com muito maior intensidade de que qualquer mentira, nos espetando a alma e nos fazendo sentir vivos e ainda mortos ao mesmo tempo.

Como se fosse. Como se, ainda fossemos, sendo."