quinta-feira, 25 de outubro de 2018

"Pai também chora"

"Dedico a meu pai, um homem bom. Que me mostrou seu verdadeiro eu, e chorou a sua dor confortando-se em meus braços."

Embora eu não seja um exemplo de bom homem, eu sou filho de um grande  homem. Sim, meu pai me ensinou tantas coisas boas. Coisas que de fato eu aprendi e tenho praticado o tempo todo em minha vida.

Um dia, quando tinha cinco anos, caí de bicicleta. Comecei a chorar e nem  sabia direito o por quê, pois nem estava sentindo tanta dor assim. Sabia que gritar naquele momento não ia me ajudar em nada. Mesmo assim continuei gritando muito até meu pai  aparecer e me pegar em seus braços:

-"Calma, não foi nada filho, é normal a gente cair quando esta aprendendo a andar de bicicleta. Não precisa chorar assim. Escuta, se chorar toda vez que cair, que tipo de homem você será? Você quer ser um homem forte como o papai? Então filho, acalme-se... "

Minha cabeça de criança não entendia muito bem o que ele queria dizer com aquelas palavras, mas sabia o que tinha que fazer a partir daquele momento. Aprendi minha primeira lição em se tornar um homem: "homens não devem chorar. Nunca". E tentei não chorar desde então. Nem quando eu caí novamente da bicicleta aos sete anos. Nem quando meus amigos estavam com raiva de mim e me chutaram no joelho, muito menos quando eu tinha onze anos e me senti mal por  meus pais não conseguirem me compreender. Quem dera quando os valentões da escola me bateram e me humilharam por eu não me encaixar em um padrão de comportamento. Nem naqueles momentos em que me senti sozinho no meio de tanta gente.

-"Pra quê chorar? Isso não adianta em nada!" - pensava eu quando me sentia triste.

Mas a vida nos prepara surpresas - algumas boas, outras nem tanto - que quebram nossas máscaras e  partem nossos egos em mil pedaços. Devido a uma doença grave nos olhos, meu pai perdeu a visão de uma noite para o dia. E isso trouxe uma realidade desesperadora para sua vida. Meu pai que sempre foi um homem forte, fechado, nada sensível, mudou. Tornou-se um homem quieto, triste e angustiado. A escuridão não havia roubado apenas a luz de seus olhos, acho que ela também levou o brilho da sua alma.

Um dia desses - era outono, acho - meu pai disse que queria falar comigo. Sem hesitar, peguei minha mochila e embarquei num ônibus, a seu encontro. Algo estava estranho naquela tarde. Não sabia o que era, apenas uma sensação angustiante havia tomado o meu corpo. Ao chegar em casa - ao gritos, como de costume - meu pai veio ao meu encontro, tropeçando no tapete e me oferecendo os braços para um abraço. Costumeiramente me deu um beijo na testa e começou a tatear o meu rosto.

-"Já é um homem feito o meu filho. Olha só o tamanho do seu bigode!" - eu sorri, passei a mão nos seus cabelos grisalhos, fixei meus olhos nos seus olhos esbranquiçados.

Meu pai me olhava passeando com as mãos levemente no meu rosto na tentativa de imaginar em que tipo de homem eu  havia me transformado. Repentinamente ele me abraçou forte e começou a chorar em meus ombros. Não sei o que aconteceu comigo naquele momento, só sei que automaticamente eu chorei também. Foi tão difícil. Era primeira vez em muitos anos. Apertei os lábios,  cerrei os dentes com mais força. Com toda a sensibilidade de minha alma  eu vivi e dividi aquele sentimento abraçado com  meu pai. Ele não disse uma palavra sequer, apenas me apertou mais forte. E o sentimento aumentou, não só isso, meu pai começou a soluçar e gritar. Eu não sabia o que fazer. Eu vi o homem, aquele que me ensinou a não chorar, chorando comigo. E ele me viu - chorando - depois de tantos anos.

Na tentativa de entender tudo aquilo perguntei o que estava acontecendo. Ele - aos soluços - apenas me olhava emocionado:

-"Nada meu filho, nada. O pai apenas quer aliviar a alma. Somente acalmar esta alma cansada!" - neste momento pude constatar apenas uma coisa: a dor nos faz chorar sim, no entanto, só os homens mais fortes a admitem. 

Fim, ou começo de uma nova amizade entre eu e meu velho e amado pai.

3 comentários: