sábado, 22 de setembro de 2018

"O vazio, o café e a primavera"

Das crônicas “Viagens de um menino voador

O vazio
Depois de alguns eternos meses, estou aqui novamente na frente do computador querendo voltar a escrever alguma coisa. No entanto, queria escrever algo que realmente valesse a pena você ler, e sinceramente tenho a impressão de que já falei tudo que tinha que falar. Aconteceram tantas reviravoltas na minha vida que literalmente abandonei muitas outras - coisas - que gostava de fazer. Pelo simples fato de que todas tornaram-se desinteressantes para mim. Começo a acreditar que nada mais me satisfaz. É uma busca incansável por coisas novas todos os dias. E este novo se torna velho e inanimado em questão de dias ou até mesmo horas quando o encontro. Realmente nada me deixa feliz, e isso esta me deixando exaustivamente preocupado e insatisfeito. Isso é nítido em minha vida. Os reflexos deste vazio interior já começou a afetar minha vida profissional, minha vida afetiva e estou começando ficar extremamente preocupado com minha sanidade mental.

Estes dias chuvosos de fim do inverno e inicio da primavera, lembrei do meu anjo. Aquele meu velho anjo, o Gabriel. Depois de abandona-lo por tanto tempo, como fiz com tantas outras coisas e pessoas, resolvi chama-lo para conversar e talvez tomar uma xícara de café. Pensei que jamais iria me aceitar de volta. Assim o fiz. E claro que, como um bom anjo - um anjo amigo, diria - aceitou meu convite sem exitar. Fomos tomar um café na praça, mesmo sabendo que o café me causa extrema dor no estomago. Não é o café. Realmente não é o café que faz doer, mas sim este vazio monstruoso que sinto aqui dentro.

O café
 “Como vai velho amigo?”- indagou-me com um belo sorriso mostrando suas covinhas adoráveis na bochecha.

“Maravilhosamente bem!”- foi a atuação cinematográfica mais maravilhosa que já fiz para alguém. Na verdade não estava querendo ser falso, só não queria demonstrar minha tristeza.

“Certeza disso menino?” - abaixou a cabeça, fez uma cara de mal e me olhou por cima dos seus óculos, deixando a vista seus lindos olhos azuis.

“Sabe Gabriel, sabe aquela dor? Então, ela voltou.” - Gabriel sempre soube da minha dor. E como todo bom anjo amigo acalentou meu coração com suas palavras de motivação e otimismo. 

"Você precisa perdoar-se menino, chega de sofrer com isso. Mas, se isso ainda lhe aflige o coração, tenha calma. O tempo vai se encarregar de curar a dor na sua alma. Pois saiba que nenhum sofrimento é eterno, já dizia a minha mãe." - Gabriel me olhava com um olhar sereno e piedoso.

“Sim Gabriel, meu coração parece de elástico.” - eu sabia o que isso queria dizer e percebi que  Gabriel também tinha entendido, talvez até sentido a minha dor.

“Coração de elástico? Gostei desta definição.” - Gabriel ficou olhando para o nada. Era como se estivesse encontrado a resposta para uma pergunta que o havia atormentado a vida toda.“Verdade menino. Um coração elástico. As vezes dói mais, as vezes dói menos. Não é?” - fitou-me. E eu estremeci.

“Bem assim, parece que estou doente do coração” - poderia ser doente da mente ou da alma também.

O outro café
Mudamos de assunto rapidamente. Acredito que nenhum de nós dois estava preparado para falar sobre o tal assunto, o assunto do coração.

“Mark, seu menino levado, porque parou de escrever suas estórias? Hein? Seu menino preguiçoso. Fique sabendo que comecei a reler muitos de seus textos.” - fui tomado por um misto de sensações.

“Nem me fale Gabriel. Acredite em mim amigo, eu sei que preciso voltar a escrever. Porém não sei sobre o que. A escrita parece que se tornou invalida, inútil e inanimada para mim.” - fechei os olhos e suspirei fundo. Estava preparado para receber um chá de realidade na cara.

“Mas você tem muita coisa para escrever. Você tem que falar e mostrar muita coisa para tanta gente.” - Gabriel me olhava tão entusiasmado que chegava a impressionar.

“Perdi tanta coisa, abandonei tantas outras por aí, e acabei me sentindo meio solitário. Na verdade acho que só estou precisando de um motivo para escrever.” - realmente, eu estava precisando de motivos até para respirar naquele momento.

“Então menino, vou te dar um motivo. Posso?” - tomou um gole do café quase frio, colocou os cotovelos sobre a mesa e esperou a minha resposta.

“Pode.” - foi uma resposta sem nenhum entusiasmo.

“Eu.” - me olhou novamente por cima de seus óculos. Tive a leve impressão de que ele sabia qual arma usar contra minha pessoa.

“Então, posso te confessar um segredo? Mas você tem que fingir ser outra pessoa.” - tinha certeza que Gabriel iria concordar com minha condição para ouvir o que eu queria falar.

“Claro que pode.”  sorriu e fechou os olhos apertando-os bem forte. Este era o nosso código para dizer que estava tudo bem.

“É sobre um menino, uma vida, um vazio e um monstro.” - tomei o último gole de meu café já frio.

“Continue...” - Gabriel fez um gesto para a garçonete, pedindo-lhe que trouxesse mais dois cafés quentes.

“Então. este menino sofreu em toda a sua infância acreditando que haviam monstros assustadores embaixo da sua cama. Foram dias cruéis para aquela criança. Não obstante, os dias de menino passaram rapidamente e logo entrou na adolescência, e assim como o desabrochar de uma rosa, um dia a vida era inocente e deslumbrante  e no outro já não mais, secou. Claro que, dias piores estavam por vir, quando já homem feito, teve que encarar a vida adulta e a descoberta de que, monstros mais malvados e obscuros não viviam embaixo da cama, mas sobre e envolta delas.” - continuei a estória sob o olhar entusiasmado de Gabriel.

A primavera
Continuei, assim como a chuva lá fora preparando a terra para a chegada da Primavera. Assim espero, claro, se este vazio não tomar conta  de mim e todas as flores da minh´alma deixarem de existir.

4 comentários:

  1. Para não me perder em tantas e tantas palavras que afloram a mente, vou resumir em uma afirmação/interrogação: "como não se emocionar?"

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  2. Ao ler tive a impressão de estar vivendo e sentindo este momento. Parabéns.

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