sábado, 27 de outubro de 2018

"O amor tem cheiro do quê?"

Esta não é uma história de amor.  Esta é uma história sobre o amor.

Todas as manhãs de domingo eram iguais para mim. No entanto, aquela manhã do dia vinte e seis de outubro foi diferente, e isso marcou a minha vida para sempre. Mark era seu nome. Ele sim soube fazer a diferença nos meus domingos. Eu o amava.

Era um domingo do inicio da primavera. Acordei bem cedo naquele dia, abri a janela e deixei que a brisa fresquinha trouxesse  com ela o cheiro das flores do nosso jardim. Me encostei na janela, fechei os olhos e tentei adivinhar de quais flores eram todos aqueles cheiros e qual era a fragrância mais agradável. Foi em vão. Era uma mistura muito suave de rosas, manacás, jasmins e gardênias. Desisti. Somente a minha mente era mais confusa do que toda aquela mistura de aromas. Era tudo tão agradável e, mesmo assim, olhando para as minhas mãos percebi que - ainda - estavam trêmulas.

Olhei para trás e pude observar como ele estava aconchegado em minha cama. A luz do amanhecer o acordou quando terminei de abrir a janela. Mark percebeu minha expressão:

 -"Que foi meu bem?" - indagou-me com um sorriso ensaiado.
 -"Você Mark, você!" - tremi.

Apertei minhas mãos para que ele não percebesse nada. Sentei na beira da cama de frente para a brisa da janela, uma lágrima insistiu em cair dos meus olhos. Sentia que aquela manhã era a última vez que ia vê-lo acordar.

 -"Mas, meu bem" - fez uma pausa para pensar no que ia falar - "estou plenamente feliz por estar ao seu lado. E espero que também esteja te fazendo feliz. Estou?"

Sempre soube que Mark nunca escondeu nada de mim. Ele era muito feliz ao meu lado e fazia questão de demonstrar isso o tempo todo. Não obstante, eu insisti:

 -"Mark, até quando você vai me amar?" - fitei-o firmemente.
 -"Para todo o sempre!"  - ele fez um gesto daqueles de filmes em que os atores ficam olhando para o horizonte. Na verdade, esta sempre foi sua resposta. Mark era do tipo sonhador-apaixonado.  Vivia repetindo que o nosso amor era tão forte e tão especial que ia durar para todo o sempre.

-"Não se ama ninguém para sempre. O amor um dia acaba Mark"  - vomitei as palavras de um jeito amargo e cruel em cima dele.
-"Mas já te disse, baby, nosso amor é diferente meu bem" - ele insistia em acreditar nesta ilusão.

Com um movimento rápido me puxou pra cima dele e me deu um abraço bem apertado. Realmente com ele tudo era diferente, tinha que admitir isso. Ele era um bobão apaixonado por qualquer coisa que expressasse amor, e parece que sentia a vida de uma outra forma. Parecia delirar e acreditar num mundo lirico e inocente, qual sabia eu que não existia fora da sua cabeça. E mesmo com pouca idade - tinhas lá seus vinte e poucos anos -, e sem saber muita coisa sobre este mundo cruel e insensível que vivemos, tinha uma visão maravilhosa sobre o mesmo. Isso fez-me apaixonar-se por ele.

 -"Meu bem, mesmo que um dia um dia nossos destinos nos separe, eu sempre guardarei você em um cantinho muito especial do meu coração. Mas saiba que eu nunca deixarei isso acontecer" - abracei-o em forma de conchinha.

 -"Mark, se não percebeu ainda, eu estou falando de mim. Você sabe que eu vou envelhecer muitos anos antes de você. E quando você tiver a minha idade, eu já estarei bem velho e acabado"  - usei o máximo da minha dramaticidade fajuta para tocá-lo.

Naquele momento, Mark ficou alguns segundos em silêncio, tirou meus braços que estavam em volta de seu corpo e sentou-se na cama encostando suas costas na cabeceira. Tive muito medo do que poderia ouvir. Me calei. Mark então virou-se para mim com os olhos cheios de lágrimas, passou a mão sobre meu rosto e tentou dizer algumas palavras, mas o choro não as deixou bem claro:

-"Meu bem" - ele sempre me chamava assim, de meu bem - "sei que somos de estilos de vidas e épocas diferentes, mas nossos ideais são parecidos. O amor é igual para todos e em todas idades. Meu amor por você é completo. É amor limpo. Ele não distingue nossas idades, quem esta fazendo esta distinção é você mesmo. Para de sofrer por uma bobeira dessas. Você será meu para sempre" - aquele brilho no seu olhar não parecia ser de alguém que estivesse mentindo. Meu coração estava apertado e um nó na garganta insistia em me sufocar.

Abracei-o ainda mais forte. Bem mais apertado do que todos os outros abraços de toda a nossa vida juntos. Ficamos algum tempo daquele jeito. Apenas sentindo o cheiro inebriante das flores que invadiam o quarto. As minhas mãos ainda estavam tremendo. Não podia nem imaginar que aquela seria a última manhã de domingo juntos. Queria ter vivido muitos outros anos ao seu lado para aprender a amar a vida da forma que ele amava. Mas certamente, o destino quis que eu fosse embora antes da hora. E tive que o deixar - dois dias depois - sem poder me despedir.

Ainda o vejo todos os dias sem o mesmo notar a minha presença. E sinto em seu coração, que ele ainda pensa em nós.

"Eu nunca vou parar de escrever"

Obrigado

Este post é de agradecimento a todos os meus leitores. Especialmente para aqueles que leram e comentaram meus devaneios. Obrigado mesmo por vocês continuarem lendo e me dando inspiração para continuar a escrever.

Honestamente, posso dizer que cresci muito e aprendi muita coisa que até então não sabia depois que comecei a escrever no blog.  Agradeço a todos os blogueiros de plantão que me guiaram, mesmo sem saber, na estrutura do meu blog - os que mais me inspiraram estão linkados aqui do lado na minha lista de blogs preferidos - e não apenas sobre a arte de escrever, mas também sobre como sobreviver no mundo virtual.

Quando comecei este blog, há quase seis anos,  nunca poderia ter imaginado o quanto isso moldaria minha vida pessoal. Parece clichê, mas provavelmente não seria a pessoa que sou hoje se ele não tivesse servido para meus desabafos, meus medos, minhas alegrias e tudo o que faz parte de minha vida. Passei por muitos altos e baixos, não diferente de todo mundo, mas em todos os momentos, felizes ou tristes, me imaginava escrevendo uma estória para meu blog, ou seja, para vocês.

No momento estou passando por uma situação delicada, mas espero dar a volta por cima. E agradeço tanto a força que todo mundo tem me dado. Vou continuar a confessar, criar ou imaginar mais histórias, mais  contos e poesias. Eu nunca vou parar, e de coração, agradeço a todos vocês por isso.

Então, realmente, gratidão a todos vocês <3

"A aceitação vem de dentro"

Conselhos de um gato preto:
(Leia, mesmo que você não tenha pretensão de seguir este conselho)

Queridos humanos, um dos meus incentivos para continuar escrevendo neste blog é a possibilidade de poder ajudar tanta gente que está por ai e que podem estar passando pelas mesmas coisas que passei um dia. Um dia daqueles que me senti perdido e confuso.

Sabe, se eu ao menos tivesse alguém que me dissesse que tudo aquilo era normal e que as coisas ficariam melhores, teria sido muito mais fácil para mim. É muito bom poder compartilhar nossos medos e dores com alguém que tenha a capacidade de nos compreender. Nada mais calmante - durante o desespero esmagador - que um : "tá tudo bem  amigo, vai ficar tudo bem, amanhã ou depois isso passará. Até palavras como: "amigo, hoje é pior que ontem, mas pode ser melhor que amanhã", já serve para acalentar a alma desesperada - ou ferrar tudo de uma vez!

Um dia - ou uma noite, não sei - conversando com uma professora, questionávamos o que era a felicidade e o que era ser ou estar feliz. Depois de algumas horas dialogando, não chegamos a lugar algum e, não descobrimos nada de novo sobre o assunto além do que vemos nos filmes, novelas e livros que contam histórias de amor e felicidade. Ela me olhou, sorriu, despediu-se e apenas disse: "Não sei,  sejamos felizes então. Pode não haver nada além do aqui-e-agora, então... Podemos descobrir que fomos enganados o tempo todo, vai saber..." A aceitação - da dor ou felicidade - vem de dentro de nós mesmos. 

Não há como esperar que as pessoas nos aceitem se nós não nos aceitamos primeiramente. É a mesma coisa que fazer as regras, mas não segui-las. Eu cheguei muito perto de fazer alguma besteira, no entanto consegui superar. Sim, foi difícil. Foi um processo longo e doloroso. Imaginem se todas as pessoas que estão no armário - entenda por armário qualquer empecilho, seja ele psicológico,  moral, religioso, politico ou social, que impedem você de viver o que realmente gostaria de ser -  decidissem viver em plena harmonia com a sua verdadeira essência?

Bem, acho que não podemos mais definir um padrão para a diversidade sexual pois, pela minha experiência, há muito mais pessoas do que nós podemos imaginar que querem explorar - ou já estão explorando - as outras faces da elasticidade que é a  sexualidade humana. 

Sejamos felizes então. Se não der hoje, tentaremos amanhã ou depois. Afinal, passaremos uma vida toda tentando acertar, não é?

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

"Pai também chora"

"Dedico a meu pai, um homem bom. Que me mostrou seu verdadeiro eu, e chorou a sua dor confortando-se em meus braços."

Embora eu não seja um exemplo de bom homem, eu sou filho de um grande  homem. Sim, meu pai me ensinou tantas coisas boas. Coisas que de fato eu aprendi e tenho praticado o tempo todo em minha vida.

Um dia, quando tinha cinco anos, caí de bicicleta. Comecei a chorar e nem  sabia direito o por quê, pois nem estava sentindo tanta dor assim. Sabia que gritar naquele momento não ia me ajudar em nada. Mesmo assim continuei gritando muito até meu pai  aparecer e me pegar em seus braços:

-"Calma, não foi nada filho, é normal a gente cair quando esta aprendendo a andar de bicicleta. Não precisa chorar assim. Escuta, se chorar toda vez que cair, que tipo de homem você será? Você quer ser um homem forte como o papai? Então filho, acalme-se... "

Minha cabeça de criança não entendia muito bem o que ele queria dizer com aquelas palavras, mas sabia o que tinha que fazer a partir daquele momento. Aprendi minha primeira lição em se tornar um homem: "homens não devem chorar. Nunca". E tentei não chorar desde então. Nem quando eu caí novamente da bicicleta aos sete anos. Nem quando meus amigos estavam com raiva de mim e me chutaram no joelho, muito menos quando eu tinha onze anos e me senti mal por  meus pais não conseguirem me compreender. Quem dera quando os valentões da escola me bateram e me humilharam por eu não me encaixar em um padrão de comportamento. Nem naqueles momentos em que me senti sozinho no meio de tanta gente.

-"Pra quê chorar? Isso não adianta em nada!" - pensava eu quando me sentia triste.

Mas a vida nos prepara surpresas - algumas boas, outras nem tanto - que quebram nossas máscaras e  partem nossos egos em mil pedaços. Devido a uma doença grave nos olhos, meu pai perdeu a visão de uma noite para o dia. E isso trouxe uma realidade desesperadora para sua vida. Meu pai que sempre foi um homem forte, fechado, nada sensível, mudou. Tornou-se um homem quieto, triste e angustiado. A escuridão não havia roubado apenas a luz de seus olhos, acho que ela também levou o brilho da sua alma.

Um dia desses - era outono, acho - meu pai disse que queria falar comigo. Sem hesitar, peguei minha mochila e embarquei num ônibus, a seu encontro. Algo estava estranho naquela tarde. Não sabia o que era, apenas uma sensação angustiante havia tomado o meu corpo. Ao chegar em casa - ao gritos, como de costume - meu pai veio ao meu encontro, tropeçando no tapete e me oferecendo os braços para um abraço. Costumeiramente me deu um beijo na testa e começou a tatear o meu rosto.

-"Já é um homem feito o meu filho. Olha só o tamanho do seu bigode!" - eu sorri, passei a mão nos seus cabelos grisalhos, fixei meus olhos nos seus olhos esbranquiçados.

Meu pai me olhava passeando com as mãos levemente no meu rosto na tentativa de imaginar em que tipo de homem eu  havia me transformado. Repentinamente ele me abraçou forte e começou a chorar em meus ombros. Não sei o que aconteceu comigo naquele momento, só sei que automaticamente eu chorei também. Foi tão difícil. Era primeira vez em muitos anos. Apertei os lábios,  cerrei os dentes com mais força. Com toda a sensibilidade de minha alma  eu vivi e dividi aquele sentimento abraçado com  meu pai. Ele não disse uma palavra sequer, apenas me apertou mais forte. E o sentimento aumentou, não só isso, meu pai começou a soluçar e gritar. Eu não sabia o que fazer. Eu vi o homem, aquele que me ensinou a não chorar, chorando comigo. E ele me viu - chorando - depois de tantos anos.

Na tentativa de entender tudo aquilo perguntei o que estava acontecendo. Ele - aos soluços - apenas me olhava emocionado:

-"Nada meu filho, nada. O pai apenas quer aliviar a alma. Somente acalmar esta alma cansada!" - neste momento pude constatar apenas uma coisa: a dor nos faz chorar sim, no entanto, só os homens mais fortes a admitem. 

Fim, ou começo de uma nova amizade entre eu e meu velho e amado pai.

"Amar pelas telas"

A vida é: 

Distâncias, bem cansativas e longas. Lembranças doces, necessárias e doloridas. Reconhecimento dos erros e errar tudo outra vez. Vontade de reviver e de esquecer aquele dia pesado na vida. Um desejo de corrigir-se e um monte de desenhos mentais -  perfeitos - de corpos e almas. 

Um aroma nítido depois de muitos dias, impregnado feito musgo naquela parede velha em dias de chuva. A imagem de um sorriso cravada na alma. Os costumes exagerados, talvez.  Os sonhos, necessários sonhos. Sonhos? Que sonhos! - "Onde?" - No toque. No seu jeito meigo e amargo de ser. Aquele jeito de quem tem o meu jeito. 

Depois de tudo isso: resta-me apenas amar pelas telas. E agradecer também. Pois apesar das frias telas, são elas que me sustentam e me mostram que ainda há alguma esperança. Aquelas telas que, as vezes, em algum dia qualquer me mostram que ainda há vida. Que ainda existe amor naquele que, do outro lado, ainda não posso sentir. 

Antes doía como uma presença da morte e, foram nestas telas - frias telas - que me provou não ser assim. Quando em  um bate-papo pude perceber atitudes de quem eu não esperava nada. Recebi reciprocidade de quem eu nem esperava vida. E que hoje, só me tem amor. Ah, o amor, e a dor também!

sábado, 20 de outubro de 2018

"Eu aceito"



Ele ficou na ponta dos pés - sim, eu sou consideravelmente mais alto que ele -, me pediu em namoro. Eu fiquei ali parado em meio a expectativa do seu olhar trêmulo e molhado, só aguardando a resposta esperada, tremi. 

Ao responder talvez possa ser condenado, serei preso a laços apertados, terei o coração amarrado e a todas as juras, serei subjugado. Fugi. Não estava preparado para juras eternas e nem para um amor absoluto, pensei. 

Talvez nunca tenha estado preparado para nada, pois em todas as minhas lembranças sempre me vi como um perfeito romântico fajuto. Eu já tinha deixado de acreditar no amor, faz tempo. Não obstante, em um um segundo de descuido olhei para sua face, foi num relance. Vi seu sorriso ameninado e seus olhos verde-ardósia brilhantes, que me fizeram mesmo que por um segundo, voltar a crer no que  já havia enterrado:

-"Eu aceito!"

Autocídio mental

Eu ainda estou vivo? Não sei. Realmente não sei.

Nada pra ocupar a mente, os pensamentos irremediavelmente ocupam. Não que eu realmente tenha tanta coisa assim para pensar. Se tenho, talvez não esteja direcionando corretamente os pensamentos para o que deveria. E aí me parece cada vez mais que: "pensar excessivamente pode realmente ser um risco". Vão se criando um monte de caraminholas na cabeça – como diria alguém mais velho que não necessariamente a minha avó.

Estou em crises. Crise sobre a felicidade, sobre as expectativas, sobre o que virá quando acabar o nada e começar a vir coisas demais. Crise sobre o equilíbrio ou sobre a falta dele. Crise sem razão de ser ou ter. Não me resta mais nada a fazer, a não ser ter crises. A não ser pensar. Pensar. Pensar, sentir os pensamentos.

Me resta chorar, se for o caso. Chorar, sentir as lágrimas, pensar os sentimentos. Ser frio, se for o caso. Não é o caso. Não era pra ser o caso. Não era. Foi o caso.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

"Sempre fico por perto"

Sempre foi difícil falar de sentimentos cara-a-cara. Uma verdade é que sempre me faltaram aquelas palavras, as bonitas. Sinto-me constrangido, pequenino, insignificante diante de tal silêncio. 

Sinto com mais intensidade, quando a vida me exige boas palavras para consolar alguém. As palavras vão timidamente surgindo pelos cantos da boca, no entanto todas parecem-me sempre triviais, e tenho a sensação de que não representam o que realmente sinto. Claro que admiro puramente aquelas pessoas que, ao consolar alguém que perdeu um ente querido - ou um amor ou o seu cãozinho - conseguem encontrar as palavras certas para transmitir conforto, palavras doces que não aquelas que apenas parecem alarvidades. Eu nunca  consegui. 

Me sobra somente um nó na garganta, que não deixa sair nada. Um sufoco angustiante, daqueles de doer a alma. E por ali fico. Minúsculo, envergonhado, acabrunhado e com vontade de fugir e de me esconder bem longe. Mas não fujo. Meu corpo desobedece a minha mente confusa, e eu abraço. O abraço é algo que não posso conter. Me abstenho das palavras e aperto o outro com desejo de tomar a sua dor pra mim. Em silêncio eu chego, em silêncio eu fico, e apesar de não falar nada, a única coisa positiva que consigo fazer é ficar por perto. 

E tenha certeza, eu sempre ficarei por perto. Sempre."

sábado, 13 de outubro de 2018

"Mãe" (parte I)


Foi uma noite mal dormida. A mais longa de todas. Uma mistura muito grande de dormir e acordar assustado, de ter pesadelos que se conectavam entre si. Realmente, foi uma noite de sono extremamente cansativa e desconfortável.

Enfim, aquela manhã chegou como todas as outras. Normal para todo mundo, mas para mim não, aquela não era uma manhã normal. Se bem que, como eu já falei outrora, eu não me dou bem com as manhãs. Acho elas - as manhãs - muito tristes e vazias. Talvez porque eu sempre espero acordar do lado de alguém que amo, mas esta pessoa nunca esta lá pela manhã.

Levantei, tomei um banho e como de costume, fiquei olhando meu rosto no espelho. Não tinha como esconder aquelas olheiras, nem com rodelas de pepino fresco que uma colega havia me recomendado. Mãos trêmulas, respiração ofegante e uma espécie de nó na garganta com uma dor no peito. As primeiras tentativas de ligações caíram na caixa postal, contribuindo imensamente para meu atual desespero:

  -"Alô, mãe? É o Mark!"

  -"Oi filho, aconteceu alguma coisa?"

Impressionante como Deus colocou a melhor das essências nas mães. Elas sempre sentem quando o filho não esta bem, elas sofrem junto. Eu tenho uma frase que levo sempre comigo e acredito muito nela: "mães sempre sabem da gente, e mesmo assim, continuam nos amando". Se tenho que agradecer a Deus por alguém, é por ter ela. Perdi as contas de quantas vezes fui vê-la só para dormir na sua cama ou deitar no seu colo. Foram muitas. Mesmo já sendo um homem barbado, ela ainda me coloca no colo e me trata como seu eterno bebê. Um filho que nunca cresceu. O cheiro da minha mãe, sem dúvida é o melhor do mundo. Talvez por eu ser assim, minha mãe será a única mulher na minha vida.

- "Mãe, o pai esta em casa?" - minha voz quase sumiu esperando pela resposta.

- "Estamos sim filho, mas porque isso? Você esta doente? O que esta acontecendo?" - minha mãe entrou em desespero.

Fixei meu pensamento em um único objetivo. Um objetivo egoísta, talvez seja mesmo. Pensei somente na minha felicidade naquele momento.

-"Mãe chama minha irmã e fiquem aí em casa todos vocês. Estou pegando um ônibus e viajarei para aí." - respirei fundo numa mistura de medo e felicidade.

- "Que bom filho. A mãe tava com saudades mesmo." - imaginei minha mãe sorrindo ao telefone, deixando bem definidas suas marcas de expressões na face, trazidas pelo cansaço do tempo.

-"Tenho algo á dizer pra vocês que irá mudar nossas vidas para sempre. A minha e a de vocês, para sempre, mãe!" - minha mãe ficou em silêncio. E em seguida disse alguma coisa que não pude compreender.

A ligação caiu. Um pobre, sem créditos e sem dinheiro para colocar. Encostei a cabeça na janela do ônibus e comecei a pensar em como ia falar com a minha mãe. Um vazio foi tomando conta de mim. Não sei o qual era pior: o vazio do bolso ou o vazio da minh'alma.

"A felicidade está no lado avesso"

"Quando ele não lhe mais preencher seus vazios impossíveis, e aquela outra voz soar estranha, como trovões incoerentes em dias de verão; e aquela presença não for mais gentil como era antes; e as pequenas coisas, antes subtraídas na equação, agora somarem tumores em seu pensamento; e os gestos mais hostis se expuserem mais do que deveriam ser; avistada raiva, onde antes havia tolerância; e a tradição de manter-se, pelo afeto que afaga originalmente, mas agora insiste em torturar cada pequeno pedaço de sentimento, for apenas um ritual de falta de coragem; o peito estufado, já murcho, não mais um complemento à sua respiração; aquela outra face, antes tão amada, agora desfalecida, irreconhecível. Se assim você se sentir, em qualquer instante, à caminho do quarto com sensações tais, ao desligar as luzes e o celular, não se deprima: pense no inverso, pense em mim."
Escrito por Lucas Vinicius da Rosa 


"Todas as pessoas pessoas precisam uma das outras para que as completem. O vento que sopra em uma deve soprar na outra também." (Crônicas de um menino voador - 2013)

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

"Toda a minha alma"

Conta - me seus sonhos, e eu vou mostrar todos os desejos do meu coração.

Beija - me, enquanto eu corro meus dedos sobre seus cabelos e faço um desenho na sua face.

Abraça - me bem apertado e prometa, prometa que nunca vai me deixar partir.

Ama - me, realmente me ame, e eu te amarei com toda a minha alma.

Sobre amor, negação e ódio


Diante de tanta discussão sobre tal assunto, quero registrar aqui a minha hipocrisia, isso mesmo, hipocrisia. Como dizia um velho companheiro meu, o Aurélio, "a hipocrisia é o ato de fingir ter crenças, virtudes, ideias e sentimentos que a pessoa na verdade não as possui" e por aí vai. O mal maior da hipocrisia não é aconselhar o que você simplesmente não faz, mas acreditar que ainda és verdadeiramente feliz assim.

Posso afirmar que, com tanta fome no Brasil e no mundo, com tantas bombas atômicas sendo posicionadas para a guerra, com tantas drogas e armas em mãos desesperadas e tantos engravatados roubando o meu e o seu dinheiro nas Brasilias e nas prefeituras, ainda tem gente que se presta a perder tempo julgando pessoas que só querem viver em paz. A cada dia que passa vejo um mundo mais insensível e hipócrita.

Bem, agora que entendemos bem o que é hipocrisia, também teremos a capacidade - em teoria - de entendermos o porque é tão bom deixar de ser uma 'coisa' que é hostilizada, condenada e assassinada todos os dias aqui no Brasil e no mundo. Vamos lá:

10 boas razões para ser ex-gay heterossexual:

Razão 1 - Devido a todas as pessoas que vão parar de te perseguir. Como manifestantes conservadores sexistas, os assassinos de homoafetivos e as famílias que renegam seus filhos (a) por serem assim;

Razão 2 - Pela diminuição das estatísticas de suicídio. Ninguém sofrerá perseguição pela sua heterossexualidade.

Razão 3 - Porque não precisaremos mais amar em segredo. Amar será tão simples quanto respirar;

Razão 4 - Porque um ex-gay pode se casar, já um homoafetivo não, é contra a lei amar alguém;

Razão 5 - Porque todo mundo na igreja é totalmente favorável, Levítico diz isso.

Razão 6 - Porque você poderá sair em público com a pessoa amada, sem ser apontado, julgado ou marginalizado;

Razão 7 - Porque é um maravilhoso exercício para o seu cérebro você ser o número um em negação do que você foi no passado;

Razão 8 - Porque nenhum homoafetivo que discorde de sua heteroafetividade vai te espancar ou te matar;

Razão 9 - Porque você poderá sair de casa sem se preocupar com o que vai te acontecer na esquina;

Razão 10 - Porque você não precisa preocupar -se com sua postura diante de seus pais ou quando está perto de outras pessoas.

A vida será melhor assim. Simples. Tão simples quanto respirar. E todos serão felizes para sempre.

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

"O colecionador de más decisões"

Nunca acreditou em amor (à primeira vista).


"Mark viveu uma vida toda vendo outras pessoas realizarem o sonho conhecer um grande amor. Todavia, nunca imaginou-se no amor. Ás vezes, envolvia-se com outra pessoa e tentava ajuda-la, dando-lhe um pedaço de si para sentir-se vivo também. Era um prazer ajudá-los. Queria ser de alguma importância para as pessoas a sua volta, mesmo que fosse por apenas alguns instantes. Contudo, nada realmente o motivou a buscar um grande amor.

Naquela época, Mark era um consultor de vendas. E gostava muito do seu trabalho. Tinha contato com todos os perfis de pessoas, e quando  conseguia fazê-las sorrir, sentia-se feliz e realizado. Isso era uma forma de enganar a sua própria tristeza - solidão - e seguir em frente. Assim trabalhava sem direção alguma, apenas fazendo sua parte nas coisas da vida. Era uma rotina solitária por um longo caminho através da escuridão dos dias. Mal sabia ele que as coisas estavam para mudar.

Mark nunca foi bom em memorizar nomes, e também tinha medo de conhecer novas pessoas. Tinha acabado de atender um cliente quando olhou para entrada da loja. Seu olhar caiu sobre a amplitude da outra face. E sentiu alguma coisa - um frio nas mãos e um calor na espinha. Nunca havia sentido isso antes, disso tinha certeza. Mark refletiu mentalmente sobre tal sensação. O mero esboço do outro rosto o surpreendeu e o paralisou por um segundo. Lentamente, quis desviar o olhar, procurando outros clientes para atender. Não havia mais ninguém ali além deles. Era inevitável atende-los. Então, ajeitou a gravata em seu pescoço e caminhou lentamente em sua direção. O outro estava acompanhado com um conhecido. Mark ficou mais tranquilo e feliz  por ele também estar ali. Cumprimentou-os com entusiasmo de vendedor. Deu um abraço suave em seu amigo, que não o via há muito tempo. E então olhou para o outro. Sua respiração ficou presa na garganta quando fixou seu olhar naquele rosto. Um rosto tão bonito. Mark realmente ficou impressionado.  Era algo que  não poderia descrever em palavras. Havia alguma coisa ali - naquele rosto - que o magnetizou. O amigo apressou-se em apresentar um ao outro. Mark  apressadamente disse - quase gaguejou - o seu nome e sorriu. Estava tremendo por dentro e não sabia o porquê. O sorriso que o outro direcionou a ele era absurdamente lindo - exatamente como ele temia.

Após a troca de cumprimentos, Mark demonstrou-se mais nervoso ainda. E assim, rapidamente começou a jogar conversa fora com seu amigo. Sem deixar de observar - o tempo todo - as  reações do outro. Falou sobre o trabalho, sobre seu braço queimado - era desastrado com o fogão - e sobre sua família. O outro riu no momento apropriado, gemeu para sua queimadura e sorriu pedindo que ele continuasse a falar - parecia estar gostando. Mesmo assim, Mark sentiu-se como um estranho idiota. Travou por alguns instantes. Olhou para baixo, incapaz de olhar para o outro, percebendo sua plena - baixa, na verdade - estatura. O outro educadamente pediu se podia usar o banheiro. Mark apontou a direção. O outro pediu licença e retirou-se. Ao trancar a porta, o amigo aproximou-se  e disse em voz baixa:

-"Ele - o outro - disse que você é o vendedor mais elegante que  já conheceu."

E isso era o que muita gente pensava sobre ele - lindo, bonito, charmoso. Mark sempre quis ouvir outras coisas. Porém, aquela situação era diferente para ele, o mesmo foi completamente apanhado desprevenido. Uma curiosidade enorme em querer saber porque começou a tremer e gaguejar ao ver o outro. Aquilo era incrível. Sorriu e, em contrapartida, respondeu :

-"Obrigado. Diga a ele - o outro - que  eu sou romântico e inteligente, também".

Então, sem entender direito o que estava acontecendo, Mark o convidou para  um jantar.  E o outro aceitou, demonstrando muito entusiasmo. Realmente, não sabia por que resolveu fazer aquilo.

-"E agora se eu me apaixonar?" 

Pensou.  

-"Se eu me apaixonar por ele, será que vai me amar também?" 

Pensou muito, teve insônia e dormiu somente pela manhã, indo trabalhar com algumas olheiras disfarçadas. Pensou se isso era um bom motivo para se perder o sono. Não, não era um bom motivo. Realmente, Mark  não queria nada dele. Pensava que era  muito pretensioso, da sua parte, querer alguma coisa das pessoas em troca do seu amor. Realmente era muita pretensão. E ele não era assim. Jamais.

Nove meses depois sem - ainda - poder dormir direito, Mark pegou debaixo do travesseiro o guardanapo. Neste estava escrito com  caneta, emprestada de um garçom simpático, as seguintes palavras:

"PS: Eu nunca acreditei em amor à primeira vista". 

Então ele fechou os olhos e desejou aceitar que aquilo era um adeus para todo o sempre."